domingo, 27 de junho de 2010

Capítulo Vinte.

(Desculpem tanta demora! Prometo que agora nas férias escrevo com mais frequência (: )


“Sam, você sabe como é uma saia de tango?”
Estávamos na casa de Sam tomando chá. Estava ajudando-a com os recortes para sua mais nova coleção de inverno. Já tínhamos recortado 63 looks.
“Não faço a mínima idéia.” Parou, pensou um pouco, um dedo no queixo. Levantou-se e saiu correndo pelo corredor até seu quarto, da onde voltou igualmente pulando com sua Pasta de Inspirações.
“Deixe-me ver, hm...” Começou a folhear tão rápido que eu nunca conseguiria discernir uma cor se quer. “Acha que poderia ser assim?” E levantou a pasta onde mostrava um photoshoot típico da Vogue italiana ou francesa. Sobre dança. A modelo estava parada em um estúdio de tijolos antigos e rústicos, espelhos brilhantes encostados nas paredes e barras improvisadas. A saia era uma comum, transpassada de seda, cintura alta de um azul petróleo magnífico.
“É linda.” Disse, depois de respirar. “Mas parece cara. Caríssima.”
“Ah, mas é porque é um editorial da Vogue. Pegaram peças de estilistas famosos que estavam de acordo com as roupas para dançar. Olha.” E virou a página, mostrando outras saias e collants lindíssimos, além de saltos que imitavam sapatilha de ponta.
“É, tem razão.” Olhei a hora: três e meia. E ainda tinha que cruzar a ponte para chegar ao estúdio. “Sam, preciso ir.”
“Vai ver o Rick?” Seus olhos brilharam.
“Vou.”
“Eu vou com você até lá!” Saltou do sofá com tanta rapidez que ninguém poderia ter conseguido acompanhar. Em seguida, parou bruscamente. Seus olhos tornaram-se turvos e levou as mãos à cabeça. Eu nunca havia visto Sam desse jeito.
“Sam, você está bem?” Levantei-me e olhei-a nos olhos.
“Sim.” Não me convenceu. “Só foi uma tontura.”
“Tonturas são rápidas.”
“Jane, pelo amor de Deus, é apenas uma tontura.” E sentou-se. Parecia melhor agora.
“Desculpe. Nunca tinha te visto tão estranha.”
Sam me olhou nos olhos e toda sua felicidade tinha desaparecido. Havia algo ali, eu sabia. Traços de algo estranho e indefinido. Aquilo me deixava preocupada.
“Eu acho... Acho melhor você ficar.” Murmurei.
“Eu...” Disse Sam, fechando os olhos e pegando uma grande golfada de ar. “Eu também acho. Se importa de ir sozinha?” Seus olhos azuis pareciam preocupados.
“Claro que não, Sammy.” E sorri, encorajando-a. Era a única coisa que eu podia fazer naquela hora. Dei um beijo em sua testa e ela sorriu fraca.
No caminho para o elevador, liguei para Nate. Ele disse que iria vê-la ainda hoje, tranqüilizando-me.
O problema de conhecer muito bem uma pessoa é saber quando algo está errado, mas não saber o quê.

Já nas ruas, o ar estava abafado. Suor pregou em minhas roupas e nas de qualquer outra pessoa em minha volta. O sol ainda estava lá, impetuoso como sempre. Tão claro que doía olhar até mesmo de óculos escuros.
Ao longo do tempo fui percebendo o que a primavera proporcionava nas pessoas. Dá vontade de sorrir e sair por ai cantando músicas alegres. De repente suar não é nada demais e roupas mais curtas não são um problema. Você larga as técnicas para deixar o cabelo melhor e assume os cachos, o ondulado, o liso rebelde. Sorvete nunca é demais. A praia é desejada. Os amores começam e terminam no verão, porque ninguém quer ficar perto demais, fisicamente e psicologicamente, de outra pessoa. É um legado.
Lembrei – como sempre – dos meus verões com Sam e Matt. Nós corríamos no porto e passávamos o dia inteiro no Central Park. Fazíamos sorvete caseiro e nunca dava certo. Já salvamos um pássaro que tinha quebrado a asa. Fazia tranças no cabelo inteiro de Sam. Víamos o pôr-do-sol todos os dias e nunca nos cansávamos.
E Matt não parava de rogar para que aqueles momentos nunca acabassem. Eu nunca parei. Sam não cogitava a idéia de acabar.
Porque aquilo era paz. Todos procuram a sua própria, mas eu sempre soube da minha. Estender as toalhas, colocar os pés na areia, sentar e ver o sol despedir-se, deixando o céu mais vermelho do que em qualquer outra estação. Ouvir as gaivotas e tirar fotos. Estar com quem eu amava... E que pensava que me amasse.
Em meio às lembranças, já estava na porta do estúdio. O choque da surpresa tirou toda a melancolia de meus traços e o frio na barriga consumiu-me. Girei a maçaneta e comecei a subir as escadas, inspirando e expirando, inspirando e expirando...
Era incrível como, uma vez fechada a porta, o mundo lá fora se aquietava. Tudo que parecia importar e existir eram meus pés, minha respiração, a música audível de longe, as essências, Rick. Era como um mundo onde eu podia fugir para.
As janelas, pela primeira vez, estavam abertas. Não todas, apenas duas. Um vento suave vinha delas.
Rick estava sentado embaixo de uma delas fumando. Havia um copo aos seus pés com um resto do que parecia ser conhaque. Tragou e virou-se para minha direção, rindo enquanto soltava a fumaça. Deslumbrante.
“Você se atrasou.” Tragou novamente.
“Desculpe, minha amiga passou mal.” Desviei seu olhar que estava um verde mais claro. No sofá antigo havia um pacote branco.
“Isso...” Levantou-se e veio em minha direção, tragando e soltando. Seus passos descalços na madeira tinham um barulho abafado reconfortante. Segurou o cigarro entre os dedos e pegou o pacote, entregando-me. “Isso é para você.”
Olhei-o com olhos interrogativos.
“Apenas abra.” Disse, soltando a fumaça na minha cara.
Desembrulhei o papel branco e, dentro do mesmo, havia uma saia. Ela possuía um corte rodado, dando ao tecido vermelho uma sensualidade aparente. Parecia ser exatamente o meu número.
“É linda.” Eu estava sem palavras. Como ele conseguira acertar tão bem?
“É um presente.” Disse já de costas enquanto voltava ao cinzeiro.
“Obrigada, então.” Sentia minhas bochechas quentes. Eu sempre agia assim ao ganhar algo que eu realmente gostara.
“De nada.” A voz de Rick saiu travada, pois segurava outro cigarro em seus lábios e, com uma das mãos, bloqueava a brisa, enquanto a outra tentava acender. Quando conseguiu e tragou, sorriu, e eu podia afirmar que seus olhos nunca estiveram tão claros.
Coloquei a saia por cima da legging, como de costume nas aulas de dança. A saia servira como uma luva.
Rick apenas observava quieto. Quando rodei, pedindo aprovação, sorriu de leve e levou seus olhos aos meus, prendendo-me ali. A tensão do tango correu em meu sangue.
“Agora, vamos começar.”