sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Capítulo Quinze.

(Feliz Natal leitoras! Felicidades, saúde, muito amor, dinheiro e que continuem a ler meu blog! HIHI Presente de Final de Ano, hein (: )


No final, chegamos atrasadas na escola. Os portões já estavam fechados – o que significa que precisamos hm, pulá-los. A professora de literatura nem nos viu entrar sorrateiramente pela porta depois que o segundo sinal bateu. Afinal, éramos mestras nisso.
Durante todas as horas de aula, bloqueei qualquer tipo de pensamento fora do que se tratava na aula. Prestei atenção em todas elas.
Jurei à mim mesma nunca mais criar as barreiras contra o passado novamente. Eu queria lembrá-lo agora, claro que queria. Apenas aprenderia a lidar com ele, lidar com a realidade que ele me deixara sozinha no mundo. E mesmo que isso doesse, que isso criasse buracos, crateras em meu peito, eu ia aprender. Eu ia superar. Não ia deixar que o tempo trabalhasse nisso – ele nunca faria o serviço completo.
Depois das aulas, continuei com minha rotina – vagar pelas ruas de uma Nova York que nunca parou. O mar de rostos desconhecidos, correndo atrás de algo indecifrável para mim, e saber que cada um tem uma opinião, um jeito de ver as coisas, um gosto em particular... Aquilo me fascinava.
No meio dos olhos perdidos pelas ruas, eu os vi. Um par de olhos verdes, como esmeraldas.
E foi como um choque para voltar à realidade.
Dançar!
Na mesma fração de segundo, eu estava correndo. Minhas pernas acharam forças sobrenaturais e puseram-se em movimento em um estalo mental. Lá estava eu, ultrapassando sinais, quase sendo atropelada, xingada por Nova York inteira como idiota, atrás de apenas uma porta.
Quando entrei na 5th Avenue, minha respiração em arquejos não importava. Eu apenas corri mais. Porque eu sabia, ah eu sabia... Precisava apenas de um vislumbre de seus olhos, um toque embalado com o tango moderno das caixas de som daquele cômodo empoeirado e amarelado. Eu precisava apenas de uma dança, e seria salva.
A porta, por incrível que pareça, apareceu em meu campo de visão mais rápido do que esperava. Empurrei-a com toda a força da adrenalina em minhas veias, a fazendo oscilar. Subi as escadas sem fôlego. Rick, Rick, Rick!
Estava vazio.
Olhei para os lados, tentando fazer com que minha respiração voltasse ao normal. Não havia ninguém ali. Ninguém. As paredes pareciam feias de repente, as janelas sujas, a madeira gasta. Meus olhos não queriam acreditar na horrível realidade nula daquele lugar.
Como se a adrenalina, de repente, fosse cortada do sistema, meus joelhos desabaram no chão de madeira liso. Eu queria chorar, queria chorar muito.
Por que estou destinada a nunca ter alguém?
Minhas mãos, imperceptivelmente cobriram meus olhos, e as lágrimas vieram mais uma vez. Eu estava no meio do salão de dança, ajoelhada, chorando como um bebê. Dentro de mim, clamava por ele.
Ele.
Quem diabos era ele? Rick? ...Matt?
Não seria mais fácil ele nunca ter me deixado? Não seria mais fácil ele apenas ter terminado comigo? Por que precisava desaparecer?
...Por quê?
Agora as lágrimas vinham e eu não sabia o porquê delas. Eu só precisava chorar.
E então eu senti. Duas mãos, segurando meus braços, abaixando-os. Mãos quentes. Quentes e grandes. Acolhedoras.
Meu olhar voltou-se para cima e me deparei com a visão embaçada para os olhos verdes mais bonitos do universo. Olhos preocupados, hesitantes.
“O que aconteceu, Jane?” sussurrou Rick.
“Eu não sei...”.
“O que ele fez?” piscou demoradamente, com uma raiva secreta no olhar.
“Além de fazer-me lembrar de tudo que passamos juntos? Além de não deixar-me esquecê-lo? Tem algo mais que ele poderia fazer? Ele poderia muito bem nunca ter existido – assim nunca teria que partir e me deixar desse jeito.”
Agora ele me olhava com um grande pesar. Pena de mim.
Estava começando a odiar esses olhares de pena.
Um curto espaço de tempo passou enquanto nos encarava-mos, e então ele crava suas mãos em meus ombros e diz, suavemente, desajeitado de um jeito gentil.
“Aqui, deixe-me te ajudar...”.
Levantou-me e me levou ao sofá de couro. Fiquei tentando lembrar se o ouvira chegar, ou que horas eram, ou desde quando eu ficara ali, chorando. Procurei o foco de meu olhar lentamente, lidando com o peso das pálpebras e vislumbrei o pôr-do-sol alaranjado nas grandes janelas. O sol se despedindo temporariamente de seu reinado.
Ei, espera um pouco.
‘O que ele fez?’
Ele? Que ele?
“Por que me perguntou isso?” disse, encarando-o. “ ‘O que ele fez?’ Nunca te disse nada sobre Matt.”
Quando o olhei, seus olhos eram suaves. Líquidos. Como esmeraldas muito bem polidas, muito bem feitas, muito caras e preciosas. Sorriam.
“Poderia dizer agora.” E um leve sorriso em seus lábios. “Se, obviamente, quiser.”
“Bom...” enxuguei o resto das lágrimas e pensei na possibilidade de falar com ele sobre isso. Eu deveria dizer, deixar claro, não deveria? “Matt fora meu namorado, só que ele sumiu há uns 3 anos. Sumiu mesmo, desapareceu, Puff.”
“...e você ainda gosta dele.” Não era uma pergunta.
“Apenas não consigo esquecê-lo.”
Apenas.
E encarou-me, com um sorriso no rosto.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo Quatorze.

(gente, eu nem deveria estar postando! estou com um bloqueio total de inspiração. mas odeio deixar vocês esperando. às vezes penso que se esqueceram de mim se eu demorar de mais, mimimi. então aí vai um capítulo um tanto melancólico. love yah <3 )


“Jane? Jane, você está bem?” Uma voz distante, emersa em ecos, me chamava. Não sabia da onde ela vinha, mas era de Sam.
Como em uma piscar de olhos, tudo se tornara diferente, como se não pertencesse à mesma dimensão que as coisas ao meu redor. Tornara-me cega, surda e muda.
Eu estava afundando, caindo gradativamente. Senti dolorosamente o impacto de meus joelhos na calçada. Tinha total consciência das coisas à minha volta agora – os carros no engarrafamento da ponte, buzinando em uma linguagem de batidas imaginárias; Sam tentando fazer com que eu voltasse à superfície; meus joelhos e mãos estendidos na passagem de cimento; as pessoas resmungando contra as garotas paradas no meio do caminho. Mas eu não estava mais ali. Eu não queria estar ali. Nunca mais.
Porque fora naquela ponte que ele me pedira em namoro há três anos – agora completos, dignamente. Que ele, de repente, abaixara a cabeça a ponto de ficar na altura da minha, e pela primeira vez encostara seus lábios nos meus. A primeira vez que eu me senti completa, quando, logo em seguida, pegou minhas mãos e sorriu, enquanto olhávamos o pôr-do-sol.
“É meu aniversário hoje.” Havia dito. Suas palavras sendo levadas pelo vento.
Agitei a cabeça, como se isso tirasse a imagem de minhas pálpebras. Nada mais fazia sentido. Porque eu acreditara fielmente que tinha superado! Eu finalmente encontrara um jeito de viver sem necessitar do passado, sem estar ligada à ele.
Mas a verdade era que eu nunca estaria curada, realmente. Eu precisava dele quando ele nunca precisou de mim, ou até de mais ninguém.
Tentei por tantas vezes, mas tantas vezes me esconder da realidade que esqueci do fato que, quando eu retornasse à ela, nunca deixar-me-ia esquecê-la. Nunca.
O passado nunca se desligaria de mim.
“Jane? Jane?” Sam continuava a me chamar, e onde estava o controle das cordas vocais? Onde estava minha maldita voz quando precisava dela?
Um zumbido não saía de meus ouvidos. As únicas coisas que passavam por meus olhos eram imagens dele – ele sorrindo, ele fazendo uma de suas famosas caretas, ele vivendo ao meu lado.
E foi aí, enquanto revisava cada arquivo de minha memória com ele, que desisti. Fechei meus olhos e contemplei as imagens, as lágrimas quentes escorrendo pelos cantos de meus olhos. Revivi, depois de tanto tempo, a cor quente de seu olhar, o sorriso branco tão perfeito, o cabelo ondulado de um castanho tão escuro. Dei liberdade para a lembrança de sua voz, de seu canto sussurrado em meus ouvidos acompanhado com o violão. Arrepiei quando, quebrando uma das barreiras mais fortes, lembrei de seu toque, suave, infantil muitas vezes, mas quente, febril. Enquanto dançávamos, na maioria das vezes. Era quando seus dedos brincavam com a pele das minhas costas ou com minhas mãos. Tinham sentimento. Necessitavam de mim.
Necessitavam...
De mim...
Agora eu não me importava mais. Tentando tomar uma atitude útil o bastante para respirar, deixei de fingir. Deixei de acreditar que conseguiria recomeçar sem ele.
A saudade te destrói. Retalha, igual a verdade. A verdade de que você sente saudade de alguém que não merece sua atenção dói.
Abri meus olhos e encarei, contra a luz do sol, os cabelos vermelhos de minha melhor amiga, e seu olhar devoto, preocupada, pairando sobre mim.
“Oh Jane...” sussurrou, com um peso enorme em sua voz. Estava com pena. Pena de mim. Seus braços me embalaram.
“Sam... Eu tentei. Eu juro que tentei. Mas ele... mas ele...” eu soluçava compulsivamente. Minha bochecha grudada com seus cabelos, suas mãos tranqüilizando – como sempre – minhas costas. Aquilo tinha efeito. Era como magia.
Sam não fez nada. Só ficou ali, silenciando-me, acalmando meus neurônios com sua acolhedora paciência. Será que algum dia conseguiria devolver todo o amor e carinho que ela havia me dado quando precisei?
Afastei-me dela para olhar seus olhos, e eles sorriam. Eram azuis piscina hoje. Brilhavam como água. Pegou minha mão, e disse apenas uma palavra.
“Vamos.”
E naquele momento deixei-me extasiar com a esperança – só para viver, respirar mais uma vez – que tudo daria certo.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Capítulo Treze.

Acordei sentindo-me extasiada. O brilho amarelo do sol pelas cortinas brancas que cobriam as janelas era alegre, fazia-te acordar com um suave sorriso no rosto. E eu sorri. Era a primeira manhã de minha vida que não acordava com um peso em meus ombros. Era tão fácil sentir-se feliz ali.
Verifiquei as camas e as encontrei vazias. Sam não me deixaria atrasar para a aula, não é? Calcei as pantufas emprestadas e fui até o grande corredor, me dirigindo ao leve cheiro de café com leite e cereais.
E lá estavam. Todos eles. A família perfeita. Sra. Goldenbrown e sua cabeleira ruiva presa em uma rabo-de-cavalo distribuía sorrisos servindo as filhas com torradas, cereais e pães. Os olhos castanhos pareciam ser claros – brilhavam de uma forma tão viva. Sr. Goldenbrown tomava seu café tranqüilamente, com o jornal devidamente lido de lado, enquanto brincava com Brendah entre caretas e risadas. Sam estava concentrada em sua mais nova criação para o verão – a coleção de roupas da primavera já estava pronta –, não olhando nem ao menos para a salada de frutas que comia. Quando me tornei visível na cozinha, todos os rostos se voltaram para mim com o mesmo sorriso alegre e exuberante, verdadeiro em cada curva de lábios.
"Bom dia Jane." disse Sra. Goldenbrown, contornando a mesa para me abraçar. "Fiquei preocupada quando Sammy disse que veio andando de sua casa até aqui. Devia ter combinado de vir mais cedo."
"Tudo bem. Peço perdão se preocupei à senhora." murmurei, sentindo minhas bochechas corarem, abaixando os olhos para os pés.
"Senhora? Não existem senhoras aqui. Sente-se a mesa, vocês precisam ir para a escola ainda."
Com um sorriso tímido, sentei ao lado de Sam que, depois de alguns rabiscos pequenos, olhou para mim com um sorriso pequeno e as sardas mais acesas do que nunca.
"Dormiu bem?"
"Sim, sim. O colchão é mais confortável que minha própria cama." confidenciei, enchendo-a de risinhos.
"Quanto tempo não nos vemos, Jane. Como vai você e sua mãe?" disse Sr. Goldenbrown, que limpava a boca de Brendah cheia de chocolate.
Sam olhou-me de canto de olho quando seu pai terminou a pergunta. Engoli em seco, abaixando os olhos para o prato de cereais a minha frente. Comecei a preparar.
"Tudo como sempre..." notando a falta de continuação, corri para terminar. "Normal."
Sam suspirou de alívio.
"Fico feliz." disse, levantando-se. Deu um beijo na cabeça de Brendah e Sam, e um pequenino beijo apaixonado em sua esposa, se despedindo de todos.
A família mais feliz que conhecia. A harmonia e energias positivas circundavam cada cômodo, cada respiração das pessoas, cada sorriso. Amavam-se. Amavam verdadeiramente.
Com um susto ao reparar no relógio, Sam e eu largamos o café da manhã no meio. Ela podia ter terminado antes de mim, mas não largava o desenho nunca, mesmo sua mãe chiando quanto a isso. Trocamos-nos o mais rápido que podíamos e encaramos as ruas do Brooklyn, correndo pela ponte para pegar o metrô.
A cidade parecia diferente. Nova York é viva em cada instante de carros circulando pelas ruas, mas hoje estava esquisita. Colorida, alegre, não somente viva. Havia uma harmonia nas coisas, um sorriso nas pessoas, um leve sentimento de que as desgraças poderiam ser esquecidas por um tempo, por uns minutos, por uns dias depois de hoje.
O mais engraçado era que tudo isso parecia envolver o universo inteiro, menos a mim.
Ao contrário dos outros, parecia que o dia precisava ser o pior de todos.
De repente, um peso se deslocou para minhas costas novamente. Mas era um peso diferente, não aquele peso atmosférico sentido com o tempo úmido e abafado. Era um peso que me fazia ter vontade de chorar. Como se meu corpo estivesse acostumado a chorar ali, naquele momento, naquele dia. Era uma necessidade de encolher-me em um canto e arrancar água pelos olhos até a última gota em meu corpo.
"Sam, que diabos de dia é hoje?"
Sam olhou-me com brilhantes olhos positivos.
"Hoje é o início da primavera! Por quê?"
Meus olhos se inundaram.
Feliz Aniversário, Matt.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Capítulo Doze.

(Desculpem a demora! Estou muito atrasada. Enjoy it (: )

Eu diria que eram umas 2 horas da manhã agora. O vento cortava meus pensamentos e tapava meus ouvidos, cegava meus olhos com o cabelo levado ao rosto. A friagem ali me fazia mal, mas era uma boa causa.
Atravessar a ilha de Manhattan durante a noite, sozinha, com as luzes dos postes falhando e o vento fazendo sua base esquelética tremer a cada passo não era aconselhável – principalmente tendo grupos de drogados vagando por aí atrás de uma garotinha indefesa.
Mamãe não percebera minha saída discreta. Precisei de três minutos depois de uma conversa com Sam para arrumar a mala, encher o interior do edredom de almofadas e sair como uma fugitiva pela escada lateral. Atravessando a ponte do Brooklyn, percebia o quanto bonito aquele lugar ficava ao anoitecer.
Quando cheguei ao prédio de minha amiga, eu vi. Aquelas duas figurinhas branquelas com cabelo cacheado ruivo todo despenteado que emoldurava dois rostos adormecidos na porta do saguão. Usavam pantufas, com pijamas de seda azul ciano. Aproximei-me, e toquei de leve o braço de Sam que, com a movimentação, acordara sua irmã primeiro que ela mesma. Seu rosto se encheu de alegria enquanto soltava um enorme bocejo.
"Você chegou!" disse, se apertando contra mim. Brendah era tão alegre e radiante quanto à irmã, sempre exibindo um sorriso que podia fascinar a qualquer um. Parecia um mini clone da irmã mais velha, e eram unidas de uma forma tão amistosa que ninguém compreendia. Um amor que transbordava – você sentia a harmonia no ar que estava ao redor delas.
Sam, desperta apenas pela metade, abraçou-me carinhosamente, e minha paz foi completa.
"Acha que não vai ter problema mesmo?" sussurrei ainda abraçada à ela.
"É claro que não. Aqui é sua casa, lembra?" disse, se afastando para olhar meu rosto e sorrir de um jeito reconfortante.
De mãos dadas, nós três – e o ursinho rosa que Brendah carregava bravamente junto ao peito – subimos o elevador até o apartamento. A porta, entre aberta, mostrava um interior escuro, e eu agradeci a Sam não ter acordado os pais para me receberem.
Entramos e fomos direto ao quarto, que continha um colchão a mais. O cômodo tinha tons neutros, mas tinha a cara das irmãs Goldenbrown: cintilava. Fotos de famílias, amigos – muitas fotos comigo, se quer saber – e namorado. Nate e eu preenchíamos as lembranças. Coisinhas hippies, como mandhalas, flores, coletâneas antigas e vintage stuff preenchiam cada centímetro do lugar. A mesa de trabalho de Sam era a maior bagunça – tecidos floridos, tiras de couro, rendinhas, máquinas de costura quebradas e uma nova que, que eu me lembrava, funcionava. Um notebook riscado, tesouras, botões, broches, apliques, esmaltes, câmeras fotográficas, rádios, discos, wayfarers, entre mais coisas indecifráveis. O apartamento tinha estabilidade para cada morador – até eu – ter um quarto só para ele, mas Sam dormia no mesmo quarto que Brendah. Ela se sentia melhor, além de deixar sua irmãzinha batendo palmas por causa disso. Era amor demais para uma vida.
Troquei de roupa e observei Sam por Brendah na cama, a cobrir e beijar sua bochecha de forma carinhosa. Chegou até mim e me abraçou, tão forte que fez minhas costelas doerem.
"Eu sempre estarei aqui, nunca se esqueça disso." disse-me, e beijou o alto de minha cabeça, indo em direção de sua cama e apagando o abajur, para entrar nas cobertas e não sair do estado mudo por horas, assim como eu, se eu conseguisse dormir.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Capítulo Onze & Extra - Um Atraso.

(Divulgando a comunidade again aqui! (: espero que gostem, obrigado sempre pelo apoio e comentem!)


Ainda estava em choque no caminho para o metrô, e também quando cheguei ao apartamento, e também quando destranquei a porta e encarei minha mãe desesperada ao telefone.
Ela, com seu cabelo curto e repicado, seus olhos cansados e a maquiagem borrada por choro quase gritaram quando adentrei a porta.
E ela não estava sozinha. Aquelas amigas fofoqueiras dela estavam lá, mas...
...Mas com seus maridos.
“Jane, querida! Pelo amor de Deus, aonde você estava? Me matou do coração!” mamãe disse, me apertando as costelas contra si.
“Você nunca está aqui quando chego.” Murmurei, mais para mim mesma.
“Anne, então nós já vamos, ok?” disse uma das amigas de mamãe. Aquela maquiagem pesada na face à deixava medonha.
“Err, claro. Obrigada por toda a ajuda.”
Ajuda?
Quando os quatro casais – contei, é. – saíram, encarei minha mãe, perplexa.
“Ajuda? Que ajuda?”
“Ajudaram a te achar.” Resmungando, ela começou seu discurso, se bem que ela não tinha muita autoridade para isso. “Eu chego aqui e já são nove horas da noite. Penso que você já foi para a cama, mas cadê? E então, quando o relógio bate dez e meia você entra pela porta como se isso fosse totalmente normal! Você é uma criança, Jane. Você não é dona do seu próprio nariz.”
A raiva me deixou cega. A respiração se dificultou, minhas bochechas queimaram e a água acumulou nos olhos. O que ela pensava que ela era? Com um suspiro, tudo saiu.
“E aonde você estava todo esse tempo? Eu nunca vejo seu rosto! Eu acordo para ir a escola e onde você está? Passo as tardes fora para não ficar sozinha e onde você está? Eu chego no horário certo para uma criança, como você mesma disse, e onde você está? Se sou tão infantil assim, porque não tenho uma mãe presente para me ajudar a amadurecer?”
“Colocando dinheiro nessa casa para você se alimentar!”
“Quem disse que eu uso o seu dinheiro? Eu trabalhava, se lembra? Papai também trabalhava. Eu como com aquele dinheiro. Eu faço as compras de casa com esse dinheiro. Eu não uso um centavo seu, até porque nunca o vi! Nem ao menos sei no que você trabalha.”
“Você é minha filha! Não tem direito de falar assim comigo.”
“Você como mãe deveria ter autoridade para ser uma.”
Ela se calou, me encarando, apática. Depois de um tempo, seus olhos abaixaram-se, encarando ao chão, curvando as costas em defesa e se arrastou para seu quarto.
Fui até o meu e tranquei-o. Colei as costas na porta e escorreguei, afundando no chão de madeira. Apoiando os cotovelos nos joelhos, o choro não parou. Não estava triste com minha mãe, estava com raiva dela. Raiva de ela achar que dependo dela. Raiva de ela achar que devo satisfação à ela. Eu vivo minha vida praticamente sozinha. Ela é só uma imagem que aparece quando penso na palavra mãe – mesmo meu cérebro tendo que reformular essa figura. Uma mãe cuida de uma filha de 16 anos. Uma mãe está presente mesmo que seja para desejar boa aula no café da manhã ou para dar um beijo enquanto você está dormindo e ela precisa ir trabalhar.
Eu não a via entrar nem sair, não sabia onde trabalhava, não sabia se comia algo. Era como dividir um apê com alguém que apenas precisa de moradia – ele só mora com você, mas as vidas são completamente longínquas. Isso não acontece com pessoas com laços de sangue, acontece?
Depois que me certifiquei que a raiva saíra por inteiro, fiquei desesperada. Aquele quarto desordenadamente familiar estava tão vazio. Um buraco em meu peito se abriu, causando uma dor nauseante.
Se eu tinha esse vácuo na vida com minha própria mãe, imagine com os outros?
Será que eu estava tão...
Sozinha?
Corri ao telefone, e naquele momento, eu quis voltar ao estúdio. Eu quis ficar lá para sempre, se fosse capaz. Dançando eu não tinha problema nenhum com o mundo. Era o contrário: ele me saudava. Eu era alguém naquele estúdio de dança.
Os dedos correram pelas teclas do telefone sem fio, e os segundos passavam enquanto ninguém atendia. Quando a voz fina ecoou do outro lado da linha, o buraco em peito começou a se fechar.
“Sam? Posso falar com você... por um tempo?”
Eu quase à ouvi sorrir de satisfação.

X

Um Atraso.


Com dificuldade para respirar, eles se afastam, atordoados.
O suor está grudado nas mãos, nas nucas.
Os olhares se cruzam.
Ele abaixa o olhar e vai até a bancada, acende um cigarro e traga.
Ela corre para o sofá, se apronta, coloca a bolsa sobre os ombros.
Ele oferece um cigarro.
Ela hesita ao negar.
Apressadamente, ela sai do estúdio de dança e encara o vento insuportável da noite em New York.
Ele solta a fumaça branca pela boca, satisfeito com as horas perdidas.
As melhores horas perdidas.

domingo, 27 de setembro de 2009

Comunidade no orkut!

Gente, post rápido de domingo às 11 da noite só para divulgar a comunidade do SMSA-L (criei uma abreviação, ficou estranha) no Orkut! Muita gente achou que seria melhor para divulgação, ou até para os comentários, idéias e pans. (:

Clica aqui!

Amanhã, se conseguir entrar aqui e escrever algo, posto novo capítulo.
See yah, love u all <3

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Capítulo Dez.

(com quase 1 mês de atraso, eu peço desculpas. muitos rolos fizeram de mim uma impossibilidade postar aqui. outra coisa que piorou a situação foi o fato de eu ter parado de escrever. fiquei com medo de postar demais e não ter de sobra. mas agora eu lhes dou um capítulo novo. e AH, arranjei um novo modo de colocar as músicas. como esse cap tem dança, achei a música no 4shared e deixei o player aqui. caso gostarem, só clicar para fazer download! o/ espero que gostem, de verdade (: )

11-Bolero (Closing Credits) [Original Film Version]-Simon Standage-Moulin Rouge 2.mp3

“Acho que vou hoje ao estúdio.”
Perplexa pelo que eu disse, ou surda com o sinal de término das aulas, Sam se aproxima de mim.
“O que disse?” fala ela, com a voz duas oitavas à cima.
“Acho que vou hoje ao estúdio começar as aulas de tango.” Disse um pouco mais alto e mais próximo de seu ouvido, encarando a dúvida em seus olhos como surdez.
“Eu não posso acreditar no que estou ouvindo. Isso é ótimo Jannie!” as últimas palavras foram ditas bem próximas de mim, quando jogou os braços em meu pescoço e me esmagou num daqueles abraços casuais dela. Agora, já estávamos fora da escola. A multidão de gente acercava o pátio.
“É.” Me resumi a isso.
“Bom, então fazemos assim. Pego o metrô com você e te acompanho para lá, tudo bem?”
“Mas Sam, não acha que é meio long–”.
“Claro que não! Dali já vou para a ponte e direto em casa. Só quero ir até lá com você. Vai ver eu tenho o prazer de conhecê-lo.”
“Não sei se ele é muito dessas coisas. Ele é um mistério.” Sussurrei, com a mão na lateral da boca, confidenciando com humor. Ela gargalhou.
“Os misteriosos tem motivos. Vai ver ele é um pedófilo.”
Bati nela, e um ganidinho agudo cheio de risadinhas saiu. Continuamos rindo e jogando as palavras ao vento – que, aliás, estava extremamente forte naquele dia – enquanto caminhávamos. Pegamos o metrô, e Sam não tocou mais no assunto.
Quando percebi, estava na frente da porta velha que guardava um mundo dentro dela. Um tremor passou por mim. Foi por causa do vento, foi por causa do vento... é. Eu queria acreditar nisso.
Sam se aproximou da porta e olhou para dentro da janelinha. Qualquer um que passasse por ali agora, perto demais, ouviria o tango remixado. Tinha a batida eletrônica profunda de fundo, mas os violinos continuavam ali. Tudo aquilo só deixava a música mais contagiante.
“Eu ouço.” Ela disse, olhando para a escada ali de dentro, impressionada. “É lindo J, é maravilhoso.”
Não disse nada. Ela retirou seu olhar da porta e me abraçou. Enterrei meu rosto no cabelo ruivíssimo ondulado.
“Se cuida, está bem?”
“Claro.”
“Dance com sua alma, por mim.” Sorrindo, ela dá um aceno, joga um beijo perdido pelo vento e saí andando até o metrô.
Sem escolha – uma parte de mim não queria ter outras, na verdade –, girei a maçaneta. Os passos ritmados que ecoavam da madeira para as paredes pararam repentinamente, enquanto a bela música continuava. É isso aí, o show começou, pensei, subindo as escadas já formando em meu longo cabelo um sinuoso coque.
E no alto da escada, lá estava ele. Escultural, com o cabelo bagunçado, a roupa preta e os braços descobertos. Os olhos traziam a surpresa e o prazer, que dificilmente defini.
“Ora ora.” Disse, se encostando na lateral da porta. “Pensei que tinha me abandonado.” O sorriso majestoso de satisfação atravessou seu rosto. Meu coração dava pulos, minhas pernas tremiam debilmente.
“Eu realmente queria aprender a dançar tango.”
“Estou vendo.” Percebendo que eu chegara ao fim dos degraus, me deu passagem. Fui direto para o sofá, onde retirei o casaco e o lenço marroquino, substituindo o All Star velho pelos sapatos de tango brilhantes. Naquele momento, o medo sumira, e meu corpo se inundara de curiosidade e ansiedade. Eu queria aprender aquilo. Desligar-me do mundo por um tempo, umas horas. Aprender uma dança tão envolvente como aquela.
Rick estava do outro lado da sala, apagando o cigarro aceso que estava no cinzeiro, quieto. Trocou a música e apertou play, mas a música não começara por inteiro. Só tinha a batida, fraca e imperceptível.
Dirigi-me ao ponto central da sala, não olhando para meu reflexo. Ele se aproximava devagar, com a cabeça baixa, os olhos turvos. Quando chegou bem perto de mim, levantando a cabeça, ele estava feroz, mais misterioso impossível. Começou a me circundar, tão perto que nossos corpos se tocavam.
“Tango tem suas regras, mas tem suas liberdades.” Sussurrou, os lábios quase roçando em minha orelha. “Trata-se estritamente de desejo, paixão e voracidade. As músicas demonstram isso. É só senti-las e estará dançando. Elas manipulam. Nossas mentes correspondem sem pedir nenhuma permissão.” Sempre sussurrando, causando arrepios a cada vez que assimilava as palavras e sentia seu hálito quente no espaço embaixo de meus brincos, ele se postou diante de mim, erguendo meus braços e os depositando nos dele, se colando à mim, os rostos perto demais. Abaixou a cabeça, e a boca estava muito próxima de meu ouvido. “É Tango, e nada mais.”
E quando a frase terminou, os violinos deram início e na mesma fração de segundo, ele estava se movendo.
Depois de me recuperar do susto, a música invadiu todas as minhas veias, deixando-me em puro transe. Eu não pensava, eu não agia, eu não me repelia, muito menos estava consciente do barulho perturbador de Nova York abaixo de nós. Minha mente era apenas violinos, e eu só tinha certeza que suas mãos segurava firmemente minha cintura. Meus pés traçavam linhas no chão liso, trançando e cruzando, sempre com a música. Em uma mudança da batida, ele agarrou a dobra de meu joelho esquerdo com a coxa e puxou para sua própria cintura. Estava concentrada demais para entrar em choque no momento. A música não era violenta nem romântica, mas era perfeita. Tinha a agilidade dos momentos empregados, e tinha a sutileza no ponto certo, sem exageros.
E ela continuou, nós, rodopiando pela sala, enquanto Rick mostrava passos de dança que já tinha visto, só que nunca interagido. O ar me faltava, e eu tentava resgata-lo com quantidades absurdas. Suor cobria as partes do meu corpo, principalmente na nuca e as costas. Os olhos dele não se desprendiam do meu – não havia público ali para provocar. Não conseguia imaginar, naquele momento, como aquele casal fazia aquilo. Era pessoal demais, íntimo demais, secreto demais. Como se deixavam levar, desse jeito, no meio da rua, com milhares de espectadores?
As músicas iam trocando. Quando uma acabava, mal nos afastávamos para recobrar o fôlego e a próxima começava. O transe não me deixava nunca. Cada música era refletida em minha mente e reproduzida por meu corpo, sem minha autorização.
O crepúsculo reinava no céu, já estava ficando mais tarde do que eu percebera. Segurando-me pela cintura, no ápice da música, inclinou-me para trás, tendo eu que jogar a cabeça no mesmo sentido. Senti os fios desprezos de meu cabelo encostar no piso, e para voltar, ele deu um tranco, me puxando para si de novo.
O tempo foi passando, e o horizonte, escurecendo. A maneira que minha cabeça navegava nas músicas não me fazia pensar no certo e errado. O certo que deveria voltar para casa. O errado por estar indo longe demais. Mas, pela primeira vez, eu não me importava.
O mundo lá fora não fazia sentido ali dentro.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Capítulo Nove.

A escola já havia acabado quando retornei a andar por aí. Sam tinha ido ao outro lado da cidade ver Nate. Ah, Nate era o namorado de Sam. Ela sempre teve um tombo pelo sorriso branco dele, e ele sempre teve uma tirolesa pelos olhos dela. Sempre assim; perfeitos um para o outro.
O vento cortante estava fraco àquela hora. O zumbido do trânsito nunca deixava meus ouvidos. Estava bem em frente da New York Public Library. Entrei, sem ao certo saber por que estava ali. Talvez eu pudesse procurar sobre Tango. É, ia ser uma boa escapar da minha leitura repetida e incansável dos romances.
Adentrei o local e, de primeira, avistei Lee. Lee mora em Chinatown, mas não sai da Public Library. Quando me viu, seu cabelo curto, naturalmente preto, liso e fino, chacoalhou-se inteiro. O óculos branco quase despencou de seus olhos quando pulou.
“Jane! Há quanto tempo você não vem me visitar.” Disse ela, brincando. Ela fazia estágio ali no verão, enquanto eu, geralmente, fazia em estúdios de dança profissional. Mas isso não ocorria há uns dois anos.
“Ah, não tive tanto tempo para os romances.” Abracei-a. Fazia tempo que não falava com ela. Na correria, deslumbrava sua presença em algum canto, mas nunca tinha certeza se era ela. Eu não tinha mais tempo para as tardes inteiras procurando livros novos, como antes fazíamos juntas. No máximo vinha para pegar livros para a escola. No máximo.
“Então, quer alguma história nova? Algumas pessoas doaram coleções antigas de romance clássico, bem estilo Austen. Vai querer?”
“Acho que hoje não. Onde é a coluna de dança?”
Um leve choque atravessou seu rosto. “É a sétima do fundo... mas, dança? Por quê?”
“É, dança.” Um motivo, precisava arranjar um motivo, e rápido. Pensa, pensa, pensa, pensa! “Estou fazendo um trabalho sobre isso.”
“Ah, claro. Vou ficar aqui. Não vá embora sem antes falar comigo, ok?”
“Ok.” E fui a minha busca.
A fileira estava vazia, ninguém aparentava lhe dar atenção. Os livros, com uma espessa camada de poeira nos lugares mais fundos, mostravam que eu podia ser a única a visitar aqueles livros em meses.
Os livros, em geral, estavam desorganizados. Peguei um mediano, porém de estatura larga e capa avermelhada, mas com pontos de bolor. As letras antigas, escuras com o tempo, refletiam na pouca luz um “Manual do Movimento – A Dança Compacta”.
Dirigi-me até uma mesa com luminária e acendi. Abri o livro e descobri as páginas já amareladas. O sumário estava um pouco apagado, mas consegui ler a palavra “tango” e sua página correspondente.
No alto do capítulo correspondente, estava um prólogo:

“O Tango é a dança da carne, do desejo, dos corpos entrelaçados. É um diálogo novo, a sedução feita movimento, o ir e vir, encontro de dois mundos. É um baile exibicionista, esteticamente belo, e ronda sem temores o universo do lúdico. O casal de baile roça seus pés entre sensuais carícias enquanto o atônito espectador ocasional, eterno voyeur, se fascina com o ardor do tácito romance entre os dançarinos...”.

Parei por aí, um pouco chocada. Nunca vira uma descrição tão construtiva, tão voraz, tão explícita, nem sobre tango, nem sobre qualquer outra coisa. Mas aquelas palavras contradiziam com o que estava por vir. Toda dança é uma arte – ela precisa ser sentida, tocar você, mexer com você de tal forma que você não tenha controle. O necessário para essa especialidade de dança era paixão.
Oh deus, isso ia ser mais complicado do que eu imaginava.
As palavras, como eco, soavam em meus ouvidos repetidamente enquanto saía da Public Library e ouvia distantemente Lee chamar meu nome.
Depois de ler aquele prólogo, a imagem se formara em minha cabeça. A garota linda, de cabelos loiros, presos em um coque, olhando furtivamente para o rapaz a sua frente. Ele era moreno, com um toque latino, e seus olhos não perdiam um segundo os dela. Como um flash, os dois se juntam, e começam a eterna dança. As mãos, firmes na cintura dela. As mãos flácidas no peito dele. A inclinação, e os lábios dele tocam sua clavícula...
Sacudi a cabeça, tentando afastar qualquer coisa impossível da minha mente. Eu queria fazer as aulas. Mais do que tudo. Eu não ia ter um romance com ele, só iria sentir a música, como sempre.
Nem que eu tivesse que jurar:
Eu nunca iria me apaixonar por ele.
Eu já estava pensando demais no assunto. Já era noite a essa hora, e resolvi estender a caminhada até a Times Square. Aquela avenida brilhava, encantava, cintilava. Todas as cores e luzes que não existiam em Manhattan se concentravam apenas ali.
Andando por aquelas luzes ofuscantes e coloridas, os cartazes de cinema e teatro gritavam para sua visão, as propagandas de empresas chamavam sua atenção, o ir e vir das pessoas não parava nunca.
Em uma das esquinas, uma multidão de gente se aproximava de um círculo já cheio de espectadores. Devia ser um mágico farsante, ou talvez uma mulher semi-nua pronta para tirar alguma parte de sua roupa minúscula.
Enquanto passava, tentando desviar educadamente das pessoas em meu caminho, ouvi a música. Os doces violinos provocativos. Os passos no chão de acordo com o compasso. O violento violoncelo relutando por seu lugar no som agudo. Vi de relance uma perna feminina com uma meia arrastão, uma fatia do vestido vermelho colado aberto na coxa e os sapatos pretos de camurça, iguais aos meus.
Tentei achar espaço entre as milhares de pessoas. Encontrei um minúsculo, onde apenas meu rosto cabia, entre um menininho ruivo baixinho e seus pais.
Era perfeito. Era o casal da minha imaginação. Eles eram estupendos. As carícias relatadas no livro estavam ali em cada toque cuidadoso. Os olhos cheios de maquiagem da mulher desviavam rapidamente de seu companheiro para provocar a platéia – os eternos voyeurs. Seus rostos traziam a admiração imaginada, a surpresa por ver tal coisa perfeita no meio da Times Square. Eles, com toda certeza, estavam se amando no meio daquela rua suja aos olhares suspeitos de todos.
Um chapéu no chão com algumas moedas representava a pouca gorjeta. Peguei, rapidamente, tentando não tirar os olhos, uma moeda jogada em minha bolsa. Eles mereciam algo. Moeda, não tinha, mas achei uma nota de cinco dólares. Joguei-a e saí dali – sabia que a música estava pronta para acabar.
Aquilo – aquela cena, recém presenciada – me despertara a vontade de dançar. Eles não precisam necessariamente se amar. Eles precisavam amar a música. Eu a amava. Rick também parecia amá-la.
Um sorriso abrigou meus lábios enquanto voltava por meu caminho até o metrô.
Eu teria um caso de amor com a dança.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Capítulo Oito & Extra - Erro.

(Leitoras, boa noite! hoje ainda é uma segunda-feira e teremos capítulo. graças a gripe suína, minhas aulas foram adiadas, o que significa que mamãe resolveu querer viajar. Então, por só terem outro capítulo daqui à 2 semanas, mais ou menos, deixo o extra que deveria ir com o próximo cap. :) Espero que gostem, e obrigado pelos comentários, de coração! <3 )


Na manhã do dia seguinte, eu sentia meu corpo dormente.
Quando levantei e dirigi-me ao banheiro, encarei a minha mesma no espelho.
Continuava a mesma de sempre. O cabelo liso (graças à escova bem feita de ontem) e escuro estava maior agora, mas o corte desfiado nas pontas continuava intacto. Os olhos castanhos escuros pálidos pareciam mais claros, os poços fundos haviam se esvaído – agora eu conseguia ver minha íris sem muito esforço. As manchas roxas de cansaço sob os olhos davam um aspecto quase doente, se isso não fosse normal. A pele continuava branca o bastante para as veias azulados serem vistas na parte inferior dos braços, mas as bochechas continham um rosado delicado. Os ossos da clavícula pareciam mais visíveis. Não era possível eu ter emagrecido... Talvez a culpa fosse de minha estatura óssea ser larga demais.
De algum modo, com todos os aspectos físicos ligeiramente mudados, eu me sentia diferente. O orgulho crescera novamente em mim. A vontade se apoderou de minhas células. A atitude dominou meu subconsciente.
Eu tinha conseguido. Eu tinha lutado contra o meu medo. Eu tinha mostrado a mim mesma que era capaz.
Sem perceber, meus lábios se curvaram para cima – eu tinha orgulho da garota completamente normal no espelho. Ela parecia compartilhar do mesmo sentimento.
Sai do banheiro e pulei ao closet. Notei que minha skinny preta estava devidamente dobrada perto do criado mudo, o que significava que a lavanderia já tinha trazido as roupas. Escolhi-a com uma blusa surrada do The Strokes, a jaqueta de couro preta, o All Star surrado e um cachecol xadrez preto e branco. Uma rápida olhada no espelho fez-me lembrar da vez que Sam tentara definir meu estilo.
“Talvez um pouco de Grunge... não, não, acho que Indie. Não, espera, deve ser... Ah, com certeza é Groupie...! Mas, não... é, talvez uma mistura de Grunge-Indie-Groupie-Rock’n’Roll. Quando você quer, parece a reencarnação fiel da Kate Moss.” E suspirou, pensando alto.
Eu não podia contrariá-la. Kate Moss vestia-se de um jeito que eu sonhava desde que a vi pela primeira vez na capa de uma Vogue antiga. Gostava de me vestir, de usar as coisas que eu achava bom. A maquiagem preta não saía de meus olhs, o All Star e coturnos vestiam meus pés, as jaquetas de couro e camisas xadrezes lotavam meu armário e eu adorava qualquer coisa submetida ao Rock’n’Roll. Mesmo assim, não acreditava que eu era tão aparente. Sam é exagerada demais. Ela é a rainha do hippie e não percebe.
Fui à cozinha comer algo, e ali havia um pequeno bilhete, meio amassado, meio manchado, escrito com um garrancho apressado “Me desculpe. Sabe que te amo muito”.
Mamãe não tinha tempo para ficar comigo – essa era uma das razões para eu passar a maior parte do meu tempo nas ruas de Manhattan. Eu não me importava. Ela nunca demonstrara realmente algum afeto, do tipo que só mãe e filha conseguem ter. Acho que tudo fora difícil demais depois que teve de me criar sozinha, culpa do pai que eu nunca conheci, ter à deixado na mão. Ela nunca comentava isso comigo nos poucos momentos que nos víamos.
Tinha sentido. Naquela manhã, mamãe remexer meus cabelos à procura de minha bochecha, e quando a achou, aplicou-lhe um beijo e um sussurrado “desculpe” em meu ouvido. Aquilo era o único sinal que ela ainda lembrava do amor por sua filha.
Comia uma maçã enquanto ia pegar o metrô mais próximo, chegar à escola e desembuchar tudo à Sam.
Ela parecia que ia ter uma convulsão quando me viu.
“Respire.” Disse, quando cheguei ao lado dela.
Ela tentou, e não conseguiu. Tentou de novo. A hesitação só aumentou.
“Conte-me TU-DO.”
Eu disse. Contei cada detalhe que conseguia me lembrar. A cada segundo ela parecia que ia explodir mais bravamente de tanta aprovação. Seus olhos iam se arregalando mais e mais, enquanto sua boca abria em um sorriso de orelha à orelha. Quando – finalmente – terminei, ela soltou um berro, agudo e estupefato.
É isso mesmo. Ela gritou no meio do refeitório.
Se já tínhamos fama de esquisitas, imagina depois dessa?
Esquisitas e malucas.
“Parece história de filme romântico!”
“Em filmes românticos, as pessoas costumam tremer muito?”
“Ele te salva, ele dança com você... E no final, vocês ficam juntos, dançando pelo mundo a fora!” disse, dando berrinhos abafados, ignorando minha pergunta sarcástica.
Isso me fez pensar. Pensar um bocado.
Eu e Rick?
Ok, eu havia sentido aquilo. O clímax da situação. A atração dos corpos. O magnetismo forçando a se aproximar... Mas nunca tinha visto por outro ponto. O quanto meu coração saltava quando ele me olhava com o sorriso misterioso nos lábios, o olhar dele depois de me salvar aquela noite, a maneira que me segurava enquanto dançávamos, o modo que seu olhar suplicou quando tudo estava "acabado".
Talvez, apenas talvez eu me sentisse atraída por ele. Os olhos esmeralda eram apelativos demais com aquele sorriso. O cabelo desordenado, a barba meio mal feita, os músculos nos braços, o modo que dançava. Tudo chamava, e não só a mim, mas a qualquer uma. Idealizei que ele poderia muito bem viver convidando menininhas a dançar e as salvando, coincidentemente, de estupradores no meio da noite.
Mas, algo no modo que ele agarrara minha cintura enquanto dançávamos fazia-me tremer apenas por lembrar a sensação. Matt não era o exemplo de músculos – muito menos de gordura. Ele não gostava de malhação, apenas, ao contrário do que Rick demonstrava. O tremor parou subitamente quando percebi a diferença entre essa lembrança e a de quando ele me salvou. Ele parecia apavorado. Parecia que se percebesse uma digital em minha pele ou uma dobra estranha de minha – na verdade, sua – jaqueta, ele espancaria os caras até lamentarem por existirem.
“Jane?”
O sinal tocara e não ouvira. Sam puxava minha blusa agora, preocupada com meu estado paralítico, perdido em memórias impossíveis.
De repente, eu percebi.
Não doía mais pensar em Matt.
“Não dói mais. Eu não sinto mais nada.”
Jane me olhou com aquela cara “do que você está falando, sua louca?”.
“O que não dói?”
“Matt! Não dói mais! Matt, Matt, Matt, Matt!” disse, rindo, feliz pela minha descoberta.
Eu superei. Eu recomecei. Eu tranquei o passado.
Eu voltei.

X

Erro.

Um passo. Dois passos. O compasso muda. Um, dois, três, quatro passos. Ele para novamente, errando o ritmo. Passa os dedos no cabelo, caminha até a pequena bancada, desliga o som e acende um Malboro. Segue até a janela e encara o maravilhoso final de tarde, tragando, sorrindo e soltando a corrente de fumaça branca pela boca.
Está preocupado. Nem ele mesmo sabe o porque.
Pare de idiotice
, ele repete em sua mente. Pare de babaquice, seu idiota, ela não vai voltar.
Dá mais uma tragada.

domingo, 26 de julho de 2009

Capítulo Sete - First Dance.

(hmm, HEY! Devo milhões de desculpas por vocês, leitoras. Nesse mês de julho, fiquei impossibilitada de postar qualquer que fosse o capítulo. Recuperação pela primeira vez, problemas, confusões, viagens... Vocês me entendem. E, também, não conseguia achar uma maneira de colocar aqui a música do capítulo, pois hoje temos DANÇA! Então resolvi que postarei o link da música no site Imeem. Infelizmente, lá não se acha a música inteira, mas a parte principal está lá.
Aqui está Emily Wells - Symphony 6 Fair thee Well & Requiem Mix <- clica aí! Lendo, imaginem que a música que Jane descreve é essa, ok? Beijos a todas e obrigado por lerem! )



Uma última olhada para o relógio.
Minhas mãos tremiam.
Virei a maçaneta que, de leve, rangeu.
Escancarei a porta.
O estúdio continuava com o mesmo ar envelhecido, a mesma neblina alaranjada, o mesmo cheiro de menta e tabaco, a mesma fina camada de poeira. A gratidão de retorno não me abalou tanto quanto eu esperava; o nervosismo era mais poderoso.
Enquanto subia a escada, minhas pernas tremiam um pouco.
Na manhã daquele dia, eu não me importei de cumprimentar minha mãe no café, muito menos de prestar atenção nas aulas. Contei a Sam do incidente com o grupo de drogados, e ela ficou um tanto apavorada. Quanto ao meu “encontro” com Rick, não me fez perguntas, mas acho que decifrou meu olhar, pois falou logo na saída um confiante “boa sorte” e um “me conte tudo depois”.
Eu praticamente corri pelo metrô de tal ansiedade, mas quando o meu destino foi alcançado e precisei desembarcar, entrei em choque.
Eu ia dançar com ele. Eu ia dançar com ele.
Tentei, inutilmente, respirar fundo e lembrar que era um novo começo. Caminhei tensa até o estúdio e ali eu estava – subindo as escadas, tendo o máximo de certeza que iria desmaiar.
Quando pisei no último degrau, eu o vi. Sentado perto da janela, mais lindo como nunca, fumando e ouvindo música diretamente de um aparelhinho branco...
O meu iPod.
O estalo de meu All Star no piso de madeira o fez virar a cabeça para mim e sorrir como sempre, matando minha mentalidade.
Acredite se puder, mas eu não tive um ataque de coração naquela hora.
Rick se levantou e veio em minha direção com seu sorriso estupendo – as esmeraldas brilhavam como se o sol estivesse reluzindo-as. Ele passou os dedos no cabeço castanho claro desarrumado, o fazendo cair um pouco, com alguns pontos apontados para cima. Usava uma blusa de manga curta preta que mostrava o quanto seu peito era definido e uma calça preta normal. E os braços expostos – oh deus, que braços eram aqueles?
Eu estava como uma boba o apreciando. Onde esse cara esteve em todos os anos anteriores da minha vida? Como nunca tinha topado com esse cara antes?
Ele chegou finalmente à minha frente, soltando a cadeia de fumaça branca pelos lábios.
“Olá. Você é pontual.”
“Hey... err, obrigada.” disse, e por Deus minha voz não falhou.
“Pronta?”
Olhei ao meu redor.
“É, pronta.” E sorri.
Ele sorriu mais uma vez, e seus olhos diziam coisas diversas – diversão, malícia, ansiedade, opções, planos...
Virei-me e fui até o pequeno e velho sofá que tinha ali para trocar meus sapatos. O ar acumulado nos acentos foi esvaziado quando sentei no estofado de couro marrom claro. Tirei a jaqueta de couro preta e o cachecol e os dobrei perto da bolsa. Ele foi até o outro canto da sala apagar o cigarro no cinzeiro.
Quando me levantei, ele analisou-me da cabeça aos pés. Gelei. Talvez ele estivesse pensando que eu era antiquada com minha blusa babylook branca de manga curta, a calça legging (na verdade, não tão apertava para uma legging) preta e os sapatos de tango.
Quando seus olhos pararam de deslizar por mim, olhou-me com a face mais maliciosa que eu já vi, e contraditoriamente, uma expressão interrogativa.
“Você dança tango?”
“... Não. Só acho melhor dançar com esses sapatos.” Disse, simplesmente, e caminhei até o centro da sala. Meu coração golpeava meu tórax.
“Bom, muito bom.” E se aproximou mais.
“O que dançaremos?” disse, ignorando a curiosidade pelas palavras dele.
“O que quer dançar?”
“Ah...” pensei. Eu dançava um pouco de tudo, não era justo. “Escolha você. O que escolher estará bom para mim.” E me arrependi logo depois que terminei a sentença. E se ele escolhesse a pior categoria, a mais difícil? Do jeito que eu tremia, qualquer estilo de dança pareceria com uma manada de bois cegos.
Ele olhou mais profundamente em meus olhos por um segundo, riu um pouquinho e disse antes que minha cabeça pudesse girar.
“Ok.”
Afastou-se e foi até o aparelho de som, indo à faixa “seis” do CD. Colocou uma música que, ao mesmo tempo em que era agitada, era calma, sedutora. Tinha violinos perfeitos, contrastando com os sons remixados. Uma batida penetrante, que parecia dar socos em você – te obrigava a acompanhá-la de alguma forma. Com aquele som, o medo foi se esvaindo. Era perfeito, eu precisava tentar dançar a música que não tinha estilo definido.
Olhei para ele, que agora vinha em minha direção, com a expressão de duvida. Ele entendeu na hora.
“Só se deixe levar.”
E em seguida, se colou a mim, me prendendo em seus braços.
O Rick que eu pouco conhecera se tornara tenso, concentrado, e seus olhos ficaram mais fixos do que eu pensava ser possível.
Seu braço direito estava em minhas costas, no espaço à cima de minha cintura, e o esquerdo esticara meu braço direito, em posição para qualquer tipo de dança. Mas como saber como começar? Se deixe levar, se deixe levar...
Fechei os olhos e senti a batida. Sempre era assim; eu não precisava pensar, minha alma fazia o serviço completo.

Fair thee well and the requiem mix
I got a loan shark and a quick fix,
For those i left behind,
In a suit case of fire flies,
Find ya, I wanna treat you right,
Never leave you beggin and cryin.

Quando percebi, eu já estava dançando, usando pouco menos que o salão inteiro, e ele me guiava perfeitamente. Era uma mistura de valsa, tango e foxtrote, mas eu não conhecia os meus próprios movimentos – eles saíram em uma batida de coração, explodindo de mim, se libertando. Tudo que fora guardado depois da ida de Matt não agüentou preso dentro de mim enquanto o esplêndido dançarino à minha frente fazia tudo se tornar correto, sem falhas.
Na hora rítmica que a batida deu uma pausa, ele me girou, e foi perfeito – eu apenas virei e fiz os próximos passos, acompanhando os dele, como se eu soubesse da coreografia. Seu olhar verde concentrado nunca se desprendia do meu, não me deixando alternativa à não ser fazer o mesmo. Era completamente impossível se soltar de seus olhos. Na segunda pausa, ele me girou mais rápido, só que no segundo seguinte fiz um passo impensado de tango.
É, isso mesmo. Um passo de Tango.
Eu estava em completo transe. A música se revelara incrível e eu não conseguia acreditar que estava acompanhando ela com tanto fervor. Tudo combinado; os pés não errando seus caminhos nunca. Eu não precisara nem me importar em dar tudo de mim, eu nem percebia que todas as minhas energias estavam sendo devidamente gastas. Como sempre dançava, sentia-me nas nuvens, ou melhor, em um universo paralelo, onde nada nunca me feria ou me abalava. A última pausa chegou e ele, brevemente, me rodopiou três vezes seguidas, segurando-me pela cintura; o cabelo em um grande rabo-de-cavalo, estranhamente, nem roçou em seu rosto.
Quando a terceira volta foi completa, Rick puxou-me junto de si, fazendo-me ficar na meia-ponta dos pés e sua cabeça curvada para mim, com nossos lábios quase se roçando.
Ambos estávamos ofegantes. As palmas de minhas mãos estavam escorregadias, e senti uma gota de suor percorrer minhas costas até onde sua mão me segurava.
Foi ali que pude jurar que senti algo. O jeito que ele me puxara para si, o modo que sua boca estava perto demais da minha... Eu quase sentia a corrente elétrica de nossos frenéticos corações querendo se ligar.
Quando – finalmente – nossas respirações voltaram ao normal, o crepúsculo despontava a todo vapor no horizonte em uma bela paisagem vista pela janela. Deixei meus braços caírem junto ao corpo e saí da posição de finalização. Ele tirou vagarosamente o braço de minha cintura. Eu tremi. Os pelos de onde estava me prendendo apertado ficaram em pé. Olhei para ele e disse me separando definitivamente da aproximação.
“Eu preciso ir.”
Ele levantou os olhos para encarar os meus, e eu perdi a máscara de decisão.
“Eu sei.” Disse, com uma tristeza transparente e uma certeza aparente até demais.
Acenei com a cabeça e me dirigi ao sofá. Joguei-me nele, tirando os sapatos de tango e os substituindo pelo All Star surrado de sempre. Ele continuava no meio da pista de dança, olhando para baixo. Quando falou, estava se aproximando demoradamente do sofá.
“Eu trouxe seu iPod.”
“E eu trouxe seu casaco.”
“Agora você não tem mais razão para vir aqui.” Disse, com uma angústia palpável na voz e em seus olhos.
Desviei o rosto e peguei seu casaco que deixara em minha bolsa. Estendi-o no encosto do sofá enquanto ele ia pegar meu iPod. Levantei-me, vesti a jaqueta e o cachecol, peguei minha bolsa e fui ao seu encontro, que agora estendia meu companheiro musical nas mãos em minha direção. Percebi que aquilo era o marco que nos prendia. O casaco, o iPod... Aquilo nos deixara com a obrigação de retornar a nos ver. Agora estava acabado. Cada objeto com seu dono afinal. As obrigações, cumpridas.
“Obrigada pela dança. Foi...” eu não sabia como me expressar. “Incrível. Nunca dancei dessa forma antes.”
Ele fez um sinal com a cabeça e um pequenino sorriso curvara seus lábios. Tentei fazer o mesmo e me dirigi, em um passo tranqüilo, para a escada, até ele retornar a falar.
“Se você quiser...” ele começou, hesitante. “Posso te dar aulas de Tango.”
Virei-me bruscamente para sua figura parada, me olhando.
Tango?
“... Por quê?”
“Acho que te ajudara de uma forma inimaginável.” Disse Rick, com aquele sorriso malicioso que me fez perder o chão.
Eu não tinha certeza se podia – na verdade, não sabia se queria. Tango era uma dança maravilhosa, e a escolha pelos meus sapatos tinha mais características – um de meus sonhos era saber realmente dançar tango. Nunca me ocorreu de aprender com Matt – com ele tudo era muito romance. Tango é estranhamente contraditório ao Matt.
Recomeço, não é?
“... Ok.”
Segui até a escada, desci-a de dois em dois degraus e senti o vento cortante da noite que queria se apoderar do céu.
Olhei para os lados e tentei esclarecer os fatos.
Eu dancei com Rick.
Eu cumpri minha promessa.
E, acima de tudo:
Eu não fugi.
Será, então, que tudo realmente estava recomeçando? Eu tinha superado tudo aquilo?
Eu não tinha mais desculpas para dizer que era obrigada a voltar ao estúdio. Eu só queria. Com todas as células do meu corpo, com todos os ossos de minha sustentação, com cada gota do sangue que corria em minhas veias... Eu queria voltar.
Com a adrenalina em atividade constante na corrente sanguínea, corri até o metrô, com duas palavras ecoando em meus ouvidos e um sorriso livre estampado no rosto.
Eu consegui.



Te vejo um dia desses no estúdio, Rick.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Capítulo Seis & Extra - Uma Surpresa.

Uma surpresa.

Ele desce as escadas e encontra o olhar curioso dela.
Seu cabelo longo e negro ricocheteou o ar ao seu redor, e ela ruboriza.
Sem tempo nem para uma batida do coração, ela sai correndo.
Deixando para trás um sorriso e um fita jogada no chão.

X

“Me conte agora como foi no estúdio.” Dizia o papelzinho que acabara de cair em cima de mesa. Eu não precisava deduzir de quem era, mas, bom, apenas não poderia responder.
Olhei para ela sugestivamente, fazendo um sinal com os dedos e formando a palavra ‘depois’ com meus lábios. Ela não ficou muito feliz, o que era óbvio. Ela queria saber de tudo – um tudo que não tinha acontecido.
A aula de cálculo com Mr. Stuart estava absolutamente entediante; nem essa matéria me prendia. A cara magra de doer e a calvície aparente que o professor tentava esconder não me causavam mais as risadas internas – e muitas vezes externas. Eu estava com muito ódio de mim mesma, era incontrolável, e nada me faria sair desse estado. Mas antes disso, eu enfrentaria minha melhor amiga; ela merecia uma explicação justa pelo meu mau-comportamento. Quero dizer, o fato de não ter cumprido uma promessa...
O sinal tocou e eu não fugi – olha só que novidade! Argghhh. – Esperei do lado de fora Sam me alcançar para avançarmos ao refeitório e eu desabafar. Dessa vez, eu necessitava de sua boa sanidade e de seu carisma mais do que tudo.
Talvez ela tenha percebido em meus olhos que eu estava desconfortável, pois não disse uma palavra, nem mesmo respirou até eu mesma começar a falar, o que aconteceu depois de encontrarmos uma mesa e eu destruir minha maçã.
Eu contei tudo que ocorrera – o pouco que ocorrera. Sam me entendeu em tudo. Ela tinha idéia do quanto isso estava sendo difícil para mim, ela me conhecia mais do que eu mesma. E ela sabia mais do que ninguém que eu precisava retornar a ser a Jane de antes. Um recomeço nunca foi fácil. Ela ajudaria, sem hesitar.
“J, não tem problema, mesmo. Eu só queria te ajudar.” E sorriu.
Depois de três tempos malignos de educação física, onde eu sou a única garota que não sabe sacar uma bola no vôlei, caminhamos, só caminhamos. Aquilo era ótimo – sentir o vento no cabelo, ver as pessoas que não ligam para você, ouvir o barulho da agitada cidade que não dorme. E conversar. Ah, é. É a melhor coisa a se fazer com Sam.
Quando ela percebeu que poderia tocar no assunto sem me chatear, ela fez piada com aquilo. Deus, eu amava a minha amiga.
“Então, ‘intrusa’, vai voltar lá quando?”
“Bom... eu juro que não tenho idéia.”
“E o que você tem idéia?”
“De que você é persistente.”
“É para o seu bem, chéri.
Ela sempre era persistente, mas para o meu bem? Ok, ok, ok.
Quase no mesmo segundo que pensei tal coisa, me lembrei daqueles olhos. É, os olhos dele. Minha curiosidade continuava aguçada por saber o que havia atrás daqueles olhos de cristal verde cravejados. Eles diziam coisas estranhas, sempre ao mesmo tempo, eu não conseguia desvendá-las. A memória das poucas vezes que o vira parecia ficar mais nítida todas as vezes que eu me lembrava.
Quando me livrei de pensamentos e me virei para a rua querendo atravessá-la, eu o vejo. Do outro lado da rua, com as mãos nos bolsos de um casaco de couro igual ao que me emprestara, encarando-me com um leve sorriso nos lábios vermelhos. Fico estática, como sempre que o olho, e um ônibus passa correndo pelo espaço entre nós, levando sua imagem com ele.
Eu estou ficando louca, eu estou ficando louca, eu estou ficando louca.
Despedi-me de Sam enquanto ela pegava a ponte do Brooklyn e voltei a andar, tentando lembrar do metrô mais próximo.
Na ocasião, estava vestindo o casaco dele. Qual é, um frio de lascar em Nova York e todos os meus casacos lavando, mas o casaco continuando intacto, quente e confortável. É claro que eu o usaria!
Aproximava-me da esquina quando os vi. Um grupo de mais ou menos sete garotos em baixo de uma luz fraca no meio de Nova York. Viram-me aproximar e meio segundo depois os sete pares de olhos estavam me analisando, endireitando os pés para minha direção e se aproximando. O medo me deixou cega, surda e muda. Eu sei o que garotos em turmas podem fazer com garotas em uma rua sozinha.
Olhei para os lados; ótimo! Bem nessa hora os caros decidiram não passar ali. Ou eu devia estar em uma parte isolada e nem percebi ou tiveram que fechar alguma rua. Entenda-me, eu sei certamente os perigos que rondam as ruas despovoadas de NY à noite. Se eu tivesse percebido onde estava, com toda certeza tinha retornado.
Quanto mais me apavorava, mais eles se aproximavam, encurtando o pouco espaço de distância. Dei uma olhada nas opções: correr – inútil, gritar – inútil, socar a cara deles – mais inútil, tendo em vista minha mãe triplamente fraca.
Agora, eles estavam cara a cara comigo. Cercaram-me, e eu só via os sorrisos maliciosos por baixo dos gorros negros de inverno. E se aproximaram mais, e mais, e...
“O que temos aqui...!” começou um dos garotos mais altos do grupo. Ele tinha aparência confiante e amedrontadora, com barba por fazer e olhos de um castanho terra. “Essa daí é linda! Nunca tivemos tanta sorte, cavalheiros.” Disse, terminando com risadas de todos.
“Minha vez, certo?” exclamou um deles que estava atrás de mim, que em pouco tempo tomou a minha frente. A expressão era mais assustadora; as marcas fundas embaixo de seus olhos vermelhos alegava usuário de drogas. Ele pôs uma mão em meu queixo e o levou próximo dele, para examinar. Eu tremia do coro cabeludo até a sola dos pés – eu já tinha idéia do que ia me acontecer. “E bem hoje demos sorte, vou me aproveitar!” e gargalhou com um bafo alcoólico.
Mãos frias, mesmo por cima de meus jeans, agarraram minha cintura e tiraram o cabelo de meu pescoço. As mãos subiam por baixo de minha blusa e eu sentia a respiração gelada em minha clavícula enquanto todos gargalhavam ao meu redor.
De repente, as mãos, a respiração e as gargalhadas cessaram.
Tudo foi tão rápido que eu não sabia da onde teria vindo um soco, muito menos da onde veio o dono da mão que o fez.
Depois eu ouvi uma cartilagem de nariz sendo quebrada.
Mas então, eu senti o cheiro forte.
Menta e Tabaco.
Rick atirava socos em todos do grupo que se aproximavam. Seu punho parecia mortal enquanto atingia o estômago de um, a bochecha daquele, ou quando ele usou o joelho para quebrar o nariz de outro.
“Quem vocês pensam que são...” dizia entre os socos, com uma voz que deveria vir com o aviso de não chegue perto. “para mexerem com...” acertou a cabeça de um com o cotovelo. “a minha garota?”
Ok, devo dizer, me chocou. Muito. Eu já estava tremendo, com meus dentes batendo e minha cabeça girando mais que roda de carro de corrida, e ele fala essa? Só me faltava morrer ali, entrar em convulsão, o que não seria nada difícil.
O grupo saiu correndo dali, todos devidamente machucados. Ele não tinha deixado um se quer ileso.
Depois que recuperou o fôlego e observou os idiotas fora de alcance, ele veio até mim, colocou as palmas quentes das mãos nos meus braços e me olhou nos olhos. Eu decifrei as esmeraldas hoje: elas tinham medo, estavam apavoradas, e a raiva despontava nas beiradas.
“O que eles fizeram com você? Eles te machucaram?” disse ele, apertando mais forte meus braços.
“N-n-não, eles... eles não fizeram nada.” Quase nada. Se você não tivesse chego, com certeza eu não estaria bem o suficiente para contar história. Lógico que não falei isso. Eu nem sabia mais porque estava tremendo; se era por choque, frio, ou ele me tocando. “O-obrigada, muito, muito mesmo.”
Ele ficou ali, no vento gelado e cortante, olhando para meus olhos. Toda a agonia de seus olhos foi cedendo aos poucos, as mãos foram afrouxando. Ele exalou – uma fumaça branca de frio saiu – e parou de segurar meus braços.
“O importante é que você está bem.” Disse ele, sério, mas logo sorriu apenas uma pequena curva nos lábios vermelhos. “Mas o que diabos você está fazendo aqui sozinha?”
“Na verdade...” pensei. Porque estava ali mesmo? “Procurando uma estação de metrô. Não sei onde é a mais próxima.” Ele olhou para o lado e riu um pouco.
“Se eu te dissesse que fica a menos de três minutos daqui...” abaixou os olhos de meu rosto e afundou as mãos nos bolsos da jaqueta de couro preta.
Oh deus.
“É sério?” Ele tirou os olhos que agora estavam no chão e voltou-os para mim.
“Sério.”
Rick começou a andar para a direção oposta de onde eu ia e não disse mais nada. Segui-o em silêncio, tentando afastar de minha mente a sensação horrorosa daquelas mãos em mim. Tremi de novo e ele percebeu, olhando para mim de repente. Com certeza notara sua jaqueta vestida em mim. Abriu a boca para dizer algo, mas a fechou depressa, sacudindo a cabeça e olhando para frente. Recordei-me do que ele tinha dito, e suas palavras faziam ecos em minha mente. Minha garota, minha garota... O que aquilo significava?
Quando chegamos à estação deserta, vi as horas: o próximo metrô era dali à...
Rápido como um vulto, o vagão apareceu e parou vazio.
Corri para ele sem olhar para trás, até que ouvi:
“Dança comigo, amanhã, às quatro horas?”
Virei-me e o encarei, com as mãos nos bolsos.
“Vamos lá, eu mereço essa.”
O que eu podia fazer?
“Sim!” gritei, tentando esconder o júbilo com um pouco de ironia, e continuei a correr para entrar no metrô, mas ainda assim ouvi-o gritando com um sorriso em sua voz.
“Às quatro então, finalmente!”

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Capítulo Cinco & Extra - Um Fato.

Um fato.

Uma fita vermelha que, dançando no vento, dizia a todos que ela conseguiu se libertar.
O vento gélido de Nova York congelando as orelhas dele.
E uma Polaroid, voando, com uma imagem exuberante nela.
Olhos. Esmeraldas observando Ônixes.
Congeladas na foto, mas que acompanhavam o borrão vermelho no céu.

X

É claro que eu não ia conseguir. Por isso estava naquela tarde, depois das aulas chatas de Filosofia, no bar mais lotado da 8th Avenue. Veja bem, eu só tenho 16 anos. Não posso ingerir álcool legalmente, mas isso não me impede de entrar em um bar. Eu apenas entrei. O cheiro de cigarro, álcool e o som de conversas calmas eram revigorantes. Por isso me sentei em um dos bancos do balcão e não me incomodei em pedir alguma coisa. Eu não ia tentar bebida alguma. Podia ter 16, mas tinha cara de 18. Então, como eu já esperava, o barman veio ao meu encontro pegar o pedido. Eu só aceitei a água. Precisava pensar, pensar muito. Aquele maldito casaco ainda pendia em meu braço, e eu morria de vontade de ir ao estúdio. Sabe como é, tantos meses sem “mexer o esqueleto” que ficar três semanas sem ir era horrível, mas eu não ia conseguir encará-lo. Eu saí correndo todas as duas vezes que estive lá, pelo amor de deus. Ele devia achar que eu era mais uma menininha bobinha, o que, particularmente, eu não queria admitir. Ele não ia te morder, Jane dizia aquela velha e irritante voz na minha cabeça. Você é realmente estúpida. Ao invés de mostrar para o cara que você pode com a coisa, não, você foge!
Se eu não soubesse que era minha própria consciência – ou melhor, o fundo dela – dizendo aquilo para mim, eu teria feito algo como chutar ou gritar, mas não iria funcionar, imagine só.
Alguns segundos depois, percebi que não podia agüentar mais o ambiente ao meu redor. O copo intocado de água à minha frente transpirava, deixando ao seu redor pequenas poças da água que escorriam. O bar começara a ficar mais barulhento, e a banda ao vivo estava se preparando. Em um disparo, saí do bar, recebendo a corrente forte e gelada que era o vento naquele inverno de Nova York. A fila para o Happy Hour se estendia do lado de fora do bar. As luzes alaranjadas que o sol deixava em sua despedida no horizonte não faziam jus a minha visão – tudo continuava com um aspecto frio, azulado, monocromático. Segui sem rumo, apenas andando, observando, como eu sempre fazia.
Vagamente me lembrei da promessa, mais uma que não iria cumprir. Eu apenas não entendia porque Sam se importava com isso. Ok, minha felicidade, mas será que eu tinha ido longe demais, a ponto de um princípio de recomeço fazer isso com ela? Eu não queria a resposta, eu a sabia. Sim, você estava. Sam só queria me ajudar, eu deveria agradecê-la. Todos deveriam ter uma Sam, pena que só existia uma – e, olha só, eu, que não dou o devido valor, recebo-a.
Eu queria me entender em um ponto: por que continuava a segurar o casaco em meus braços, por que o levava para todos os cantos. Ele não ia aparecer do nada, sorrir como nunca para mim e me levar para tomar café em um fim de tarde frio. Ele não era desse tipo.
Na verdade, eu não fazia idéia de que tipo ele pertencia.
Com certeza não o que levava garotinhas para tomar café e contar sua vida a elas, mas sim o oposto.
Do tipo bad guy misterioso demais, com sorrisos sedutores e olhares hipnóticos.
Um frio na barriga me dilacerou. Era melhor eu manter esse tipo de pensamento longe, muito longe.
Enquanto caminhava, o sol já havia se escondido. Percebi que era melhor eu voltar para casa, ou levaria um xingo lindo da minha mãe (se ela estivesse lá).
Eu não notara, mas no exato momento que a noite cobriu o céu por completo e o vento se tornou mais frio, estava perto do estúdio. Para ser mais clara, estava bem na frente. As mãos no bolso do meu casaco tremiam por motivo nenhum, e eu retive a enorme vontade de girar a velha maçaneta e entrar. Sentir o ar quente do lugar, o cheiro forte de menta, tabaco e conhaque... reencontrar o dono das esmeraldas.
Sacudi a cabeça pesadamente, como querendo afastar os pensamentos. Fechei minhas mãos em punhos cerrados e me obriguei a dar passos longe dali.
Antes de encontrar tal força, escutei um som. Uma linda música instrumental saindo do estúdio, com violinos impecáveis; uma sinfonia mais do que esplêndida. Depois, passos. Passos apressados, que condiziam com a música. E então param tempo suficiente para eu sair dali correndo, mas não, eu ainda estou ali. Os passos, agora não mais no ritmo da orquestra, eram calmos ao descer da escada. Ainda não entendia como podia ficar ali, parada, olhando para a porta enquanto alguém se aproximava. Eu sabia quem era.
Como se – finalmente – meus membros decidissem me obedecer, destravam, dando a possibilidade de me mexer. Meu coração rasgava no meu peito e entalava minha garganta – eu poderia muito bem morrer ali mesmo de ataque cardíaco. Começo a andar e, para verificar uma última vez, olho para a janela na porta.
Um vislumbre do olhar verde penetrante que está a me observar pela janela, e no segundo seguinte, eu estou correndo com todas as forças dali.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Capítulo Quatro.

O elevador do velho apartamento no Brooklyn parecia estar ficando mais lento a cada segundo – e eu não precisava duvidar. Sam vivia aqui desde que tinha nascido, pelo que eu sabia, e o prédio já era velho na época que fora comprado. O elevador enfim parou no andar 15, e enquanto a porta lutava por abrir, o rosto alegre enfeitado com aquela cabeleira ruiva saltitou na minha frente.
“J! Você demorou! Fiquei preocupada.” Vai ser muito comum eu utilizar a exclamação nas citações dela. Ela sempre está explodindo de felicidade. E, ah, eu devo não ter citado, mas ela tem uma forte mania de te apelidar de várias formas. Se você não encontra uma abreviação simples para o seu nome (como no caso o meu), ela arranja trezentos. J é um deles.
“Eu não demorei tanto assim. Estou... bom, 20 minutos atrasada. Nem vem Sam, você sabe como é a ponte e o metrô às 5hrs da tarde.” Disse, tentando passar por ela.
“Então você passou no estúdio? Por isso demorou tanto? Ah me conte tudo! Eu sabia, eu sabia que você ia acabar voltando!” e rodopiou pelo hall, pulando de um lado para o outro. Seu cabelo parecia estar em chamas, ofuscante e brilhante, sacudindo-se no ar.
“Sam, acalme-se. Eu não passei no estúdio.” E mostrei o casaco de couro em meus braços.
Como – justamente – fogo sendo apagado, ela parou, e toda a atividade balançante de seu cabelo acabou junto. Ela meio que parecia chateada, para baixo de repente, e se arrastou até mim para tocar o casaco como querendo provar para si mesma que era real.
“Mas... J, porque não voltou? Você precisa.” Ela parecia muito triste agora. E o grande problema é que Sam é o tipo de pessoa que te contagia em todos os humores. Se você vê-la para baixo, se sente obrigada a reconfortá-la, mas acaba ficando mais deprimida ainda por perceber que não consegue salvá-la. Eu culpo isso ao teatro que ela nunca parou de freqüentar. E aos olhos claros que suplicam. Argh.
Ok Sam, você venceu.
“Está bem! Amanhã eu passo lá.” E toda a melancolia teatral já era. Ela disparou seus braços em meu pescoço e deu-me um abraço de urso.
“Obrigada, obrigada, obrigada!” gritou, dando beijinhos nas minhas bochechas.
Ri – não podendo evitar – e me desvencilhei de seu abraço, jogando-me na grande poltrona existente na sala. Sam era a típica garota com pais felizes, e o estilo de moda que ela seguia vinha deles igualmente. Ela fazia bijuterias, re-decorava bolsas e confeccionava roupas. Não estou brincando. A maioria das coisas que ela vestia eram compradas em brechós – como a maioria das minhas roupas, também – e ela dava um toque de Samantha, um “Sam’s Point”, como ela mesma inventara. Não era de meu espanto, naquela tarde, na hora que mergulhei em seu sofá estofado, ter esmagado uma porção de tecidos e estampas junto.
“Então... vai me explicar porque está aqui?” disse Sam, sentando de pernas cruzadas em uma mesinha à minha frente.
“Eu precisava de um lugar para ficar.”
“Eu jurava que você tinha casa, amiga.”
Com toda a certeza Sam pensou que eu ia acertá-la com um travesseiro nessa hora, tanto que se protegeu com as mãos, mas não foi o que eu fiz. Estava mergulhada demais em pensamentos para isso.
“Qual é o problema?” sussurrou, e esfregou uma de suas mãos macias e rosadas em meu braço, tentando tranqüilizar – como sempre. Um olhar triste permanecia em seu rosto com sardas fracas.
“Nenhum. Eu só precisava de um lugar que não fosse a minha casa, para relaxar.” Mas ela sabia que tinha algum problema. Uma pausa definitivamente longa.
“... Quer falar sobre isso?”
“Talvez.” Só que eu não queria falar nada.
“... Ou não.” Deduziu hesitante.
Sam era realmente ótima nisso, digo, em ser amiga dos outros. Porque enquanto eu era uma pilha de nervos, ela era paciente o bastante para ficar esfregando meu braço, tentando acalmar a nervosa e irracional garota que eu era.
A questão era que eu não sabia realmente o porquê que eu era uma pilha de nervos.
Eu suspeitava de algumas coisas, mas nenhuma realmente parecia ser uma boa razão para eu estar literalmente explodindo por baixo da máscara serena, mergulhada em memórias, que meu rosto demonstrava.
Eu havia, recentemente – mais precisamente, essa manhã – encontrado fotos minhas. E não eram só minhas. Eram dele também. Do Matt. Abraçando-me, beijando meu rosto, ajudando nas sessões de foto para os concursos fotográficos com temas sobre amor. Amor. Depois, eu reencontrei a lente analógica que ele dera no meu último aniversário antes de sair da minha vida. Uma lente para fotos retrato. Uma lente que fiquei procurando por boa porção de tempo apenas para poder quebrá-la com as minhas mãos, mesmo achando um desperdício, já que as lentes ficam mais caras a cada segundo e aquela era uma das boas.
Mas eu pensava “é apenas mais uma lembrança do Matt, então, o que importa, se o resto já está quebrado?”.
Talvez eu não quisesse voltar para casa por isso. Talvez fosse porque, ao entrar em meu quarto, encontraria a grande mala parisiense com todas as nossas lembranças estendida no chão, as fotos Polaroid jogadas em todos os cantos, as fitas, os cartões, as correspondências, meu antigo diário... Dignamente, o passado inteiro. O passado que deixara minha melhor amiga triste por não conseguir me ajudar. O passado que deixou minha mãe achando que eu ia entrar em coma eterno. O passado que me deixou afastada dos sapatos de dança por tempo desnecessário. O passado que eu superara com meus próprios pés (e com um par de olhos verdes).
Sam, que eu não tinha percebido ter saído, voltava agora com duas grandes canecas, que na lateral, saindo da boca cheia de fumaça, pendiam um fiozinho. Chá. Ela adorava chá, e eu só adorava o chá dela.
Peguei a caneca, já me sentando, e comecei a soprá-lo. Dava para sentir, ao tocá-lo, o quão quente estava. O cheiro de hortelã e chocolate subia e fervia meu nariz de forma agradável. Era ótimo.
Dei meu primeiro gole, deliciando-me com a sensação de alívio que saia de meus ombros aos poucos, e fiz uma pequena reverência. Ela riu.
“Tão bom assim?”
“Excelente.” E tomei mais um grande gole.
“Quer falar agora?”
Silêncio. Meus olhos encaravam a fumaça que seguia o teto.
“Eu encontrei.”
Não precisava dizer mais nada, ela sabia do que eu falava. Mesmo assim, um toque corajoso e muito determinado a mudou. Ela encarava a situação com um pouco de raiva. Eu preferia isso. Pelo menos a raiva não te deixa em coma mental.
“Quer que eu a mande para a China?”
“Não. Já está mais do que na hora de eu encarar aquilo.”
Silêncio novamente, até ela interromper, alvoroçada com as palavras, mas não do jeito alegre de sempre; e sim o jeito mais necessitado que eu já ouvira.
“Jannie, você superou. Quero dizer, você finalmente voltou a dançar. Oh deus, você voltou! Não deixe a tristeza te afundar de novo... por mim. Pelos seus pés. Eles devem agradecer por você enfim usá-los novamente.” Uma pausa. Ela encara meu rosto mais duramente, a dor nos olhos de cristal. “Esqueça-o.”
E naquela hora, senti-me uma verdadeira ingrata. Sam se preocupava comigo, e olha o que eu a dava de retorno: mais preocupação. Nunca tinha notado o quanto lhe causei. Ela ajudava-me, e eu só dei a ela mais peso. Agora, iria fazer isso por nós duas.
E foi o que eu fiz. Quando entrava em casa e não me importava com as luzes, disparando para o meu quarto, pegando a mala, fechando ela e enfiando no sótão. As minhas melhores fotos foram daquela época. Não ia poder trancar o passado desse jeito, eu sabia que não, mas algo me impedia de jogá-lo pela janela, simplesmente. Um dia, ah é, um dia eu riria de tudo aquilo. Re-abriria aquela mala com um sorriso no meio do rosto, espirrando contra a poeira que iria se formar, e lembraria de tudo aquilo. Eu não posso afirmar quem estaria ao meu lado, mas ia acontecer.
Depois de terminado, tomei um banho. A ausente mãe que possuía ainda não havia chego, como sempre. Meu pescoço pinicava, sentia a ausência de algo que eu não me recordava. Lembrei-me da promessa que fizera à Sam, que iria voltar ao estúdio amanhã, e eu duvidava drasticamente que eu o faria. Empolei-me na cama depois da maratona de lição de casa de Biologia e desejei dormir muito profundamente, para afastar os pesadelos que viriam.

Extra III - Um Acontecimento.

(eae criançada, buenas?! como não achei o erro no HTML do por quê a caixa de comentários não funcionar, fica aí do lado o Chat. então, comentários, sugestões, críticas e dúvidas sobre os capítulos? coloca ali do lado o/ então, aí está um extra entre o capítulo 3 e 4. próximo post tem cap novo! :) )


Um Acontecimento.

Uma garota, de cabelos negros compridos andava sem rumo pelas ruas de Nova York. O vento fazia suas mechas ricochetearem por todo o seu rosto, mas não parecia ligar. Ela apenas andava absorta, pensativa. A fita vermelha que decorava seu pescoço estava frouxa demais, e em uma rajada um pouco mais forte do vento ele a carregou junto. A fita parecia rir enquanto dançava no ar, fugindo da atividade inútil das mãos de sua verdadeira dona.
Do alto de um prédio na 5th Avenue ele olha pela janela, absorto, pensativo, e sorri para a fita vermelha dançante no vento, lembrando-se vagamente dos lábios de uma desconhecida que posteriormente havia invadido seu aposento.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Capítulo Três.

“Oh meu deus!” e esse foi o 37º “oh meu deus” que Sam tinha exclamado em pouco menos de 5 minutos.
Ah claro, Sam. Ela merece um parágrafo para ela, ou até um pouco mais.
Imagine aquela garota com roupas estampadas largas, meio hippie, com cintos de um couro ralo, sandálias trançadas e pulseiras até o cotovelo. Um cabelo ruivo perfeitamente ondulado até quase a metade das costas que é decorado com uma fina faixa de couro na testa, ou presilhas de flores de tecido e, para completar, um par de olhos claros, que até hoje não consegui afirmar se são azuis ou verdes de tão claros. Ela anda decidida por ai, e todos babam a cada passo dela, ou pela beleza inexplicável de seus olhos, ou de seu sorriso alegre, ou de tanto estilo concebido em uma criatura. Agora, bote a personalidade mais entusiasmada, divertida, brincalhona, carinhosa e mandona do universo. Ela se chama Sam, e é minha melhor amiga.
Exalando simpatia com todos (às vezes, até demais), tem o espírito de criança aflorado algumas horas, como da vez que venceu o concurso de pintura. Ninguém sai correndo gritando por Manhattan inteira quando se ganha um concurso, só ela. Tudo o que pode parecer assustadoramente normal para você é assustadoramente esplêndido demais para ela. Como ela soltar trinta e sete “Oh meu Deus” em menos de 5 minutos.
“Então ele se aproximou? E se aproximou mais? E ele te emprestou uma jaqueta de couro!” disse ela, quase gritando, rodopiando em um poste enquanto esperávamos o sinal trocar e adentrarmos o Central Park.
“Sim, ele se aproximou. Sim, ele sempre se aproximava mais. E me emprestou a jaqueta de couro, é. O que você não entendeu?” Estava começando a ser grossa demais, mas Sam nunca se sentia mal com isso. Porque enquanto a maioria das vezes eu estava completamente indiferente, ela gritava para os quatro ventes de empolgação. Ah, mas não queira me ver nos meus melhores dias, ou melhor, nos meus dias antes-Matt ou durante-Matt. Eu conseguia ser quase uma cópia idêntica de Sam, tirando a maturidade.
“Eu não entendo porque está tão mal-humorada. Não é sempre que um cara maravilhoso chega a menos de cinco centímetros do nosso rosto!”
“Eu só estou com preguiça de demonstrar minha felicidade.” disse irônica, enquanto cruzávamos o Central Park à procura de um banco.
“E eu duvido que você esteja tão mal-humorada assim. Há meses você não ficava tão abalada com um cara como esse. Eu vi senhorita, o brilho nos seus olhos enquanto descrevia os dele.” E apertou seu dedo indicador no meu nariz. “ ‘Olhos verdes como esmeraldas, esmeraldas que sorriam de um jeito malicioso!’ ” Copiou minha fala, tentando imitar minha cara ao descrever.
Eu não me contive e sorri, divertida, e caímos na risada juntas. Há tempos eu não ria com ela desse jeito. Há tempos eu sequer dava um sorriso. E me sentia leve, apesar de tudo. Só não poderia afirmar se era pela volta da dança (que eu amaria poder confiar que era) ou pelo suposto dono de um par de esmeraldas brilhantes.
Ficamos rindo por um tempo, até pararmos. Policiais estavam um pouco distante, enquanto muito mais longe um casal dava altos amassos no gramado. Uns corredores passavam, e duas crianças choravam no colo da mãe. O vento gélido era tão refrescante que eu poderia morar ali.
“Porque você não me contou antes?” exclamou Sam, um pouco mais calma de sua alegria, causada pela surpresa de ver a amiga encalhada-pelo-cara-que-a-deixou conhecendo um outro totalmente diferente. “Você disse que começou a dançar a duas semanas. Como não me contou antes?”
“Não achei que seria necessário... talvez.”
“Tudo para você não é necessário. Sempre te apoiei para voltar a dançar! Pelo menos agora o estímulo é um gostosão de olhos verdes.” E riu baixinho.
Eu a acertei com meu copo vazio de coca, e ela só continuou a rir.
Era impossível não ficar feliz quando Sam estava – mais seriamente, era impossível ficar infeliz na presença dela. Todo esse tempo de depressão boba pelo Matt (que ainda dava pontadas nas extremidades do meu corpo ao lembrar dele) só não fora dissolvida por seu sorriso porque, talvez, eu estive demasiadamente no chamado fundo-do-poço , ou porque ela desistira depois de tanto tempo esperando me ver superá-lo. Como eu disse, tudo estava leve novamente. Rir era tão fácil quanto respirar.
“Quando está pensando em voltar para lá?”
“Para o estúdio? Não faço a mínima idéia.”
“Mas você precisa! Primeiro tem o trabalho no seu iPod, e o casaco dele, e se eu te ver infeliz de novo pela falta de movimento físico, eu juro que te reboco para lá a força.” Disse, dando devida entonação nas últimas palavras.
“Mas quem garante que ele vai estar lá? E ainda por cima, com o meu iPod?”
“Como eu vou saber? Você pode tirar a prova indo lá conferir.”
“O trabalho, eu refiz. Suas músicas estão lindamente guardadas no meu computador caso você as queira, e estou usando meu antigo mp4 pela abstinência musical.”
“Para. Que. Ser. Tão. Difícil?! UGH!” ela parecia furiosa. Cruzou bruscamente os braços no peito e afundou no banco de granito, murmurando palavrões.
“Calma Sam, eu vou voltar lá. E quanto à felicidade, você cuida dessa parte.”
Agora foi a vez dela de tacar o copo na minha cara.

domingo, 31 de maio de 2009

Dois Extras - Uma Lembrança & Um Sonho.

(Bom... os Extras são passagens em 3ª pessoa que contêm acontecimentos pequenos, mas significativos, no presente e passado (e quem dera ainda, no futuro). Entre o capítulo um e dois existe um extra, mas eu esqueci de publicar, e entre o dois e três, têm outro. Isso não significa que vá ter extra entercalando todos os caps, mas alguns sim. Aqui estão, então! Um Sonho eu afirmo que é o único extra em 1ª pessoa.)


Uma Lembrança.

“Matt? Você não vai acreditar...!”
Ela fica paralisada no meio do salão de jantar vazio daquele apartamento. No outro minuto, depois que seu cérebro entende, ela corre para onde quer que fosse. Enquanto as lágrimas umedeciam suas bochechas, se lembrou claramente dos últimos suspiros da voz dele.
“Eu realmente preciso ir agora, Matt, está tarde demais.”
“Mas você nunca sabe quando será a última vez...
Quando tudo estará em jogo, quando tudo não valerá mais.”

Nada vale mais.


X

Um Sonho.

A luz crepuscular irradiava o estúdio novamente nos tons de amarelo. O silêncio que ecoava pela sala não era natural. Só os passos, uma longa brisa, mas nada de buzinas, sirenes ou alarmes de carro. Eu sentia não estar sozinha, e fui afirmada quando encontrei os dois olhos de uma cor chocolate profunda me encarando. Eu só via seus olhos, mais nada. Uma leve corrente de fumaça nos cercava, mas não parecia vir dele. E então, como o estalo de uma luz sendo apagada, tudo vira noite de repente, mas foi como se ele se iluminasse. Seus olhos viraram esmeraldas, e seu cabelo atingiu uma cor clara, enquanto do liso arrepiado se transformou no bagunçado fino. E eu já não estava olhando para Matt, e sim para Rick.


(here it is. :} espero que gostem, e quanto à caixa de comentários, não sei o que fazer com ela. nem eu consigo postar nela! acho que colocarei o chat na coluna ao lado > para facilitar. quero saber a opinião de vocês :B Beijos.)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Capítulo Dois.

A Starbucks estava lotada naquela tarde. Meu cappuccino já chegara ao fim, e tinha que ler os textos de Shakespeare para sexta, mas eu não estava nem um pouco com vontade de voltar para casa.
Eu poderia dizer que New York é o melhor lugar do mundo para se ver todo o tipo de pessoa. À minha direita estava uma típica filhinha de papai rica, com sua roupa da Gucci e seus sapatos Channel, as centenas de sacolas de compras ao seu redor, o último modelo de celular lançado em sua orelha e a voz mais irritante saindo de sua boca. À minha esquerda estava uma executiva brigando com o marido no telefone, gritando – mais precisamente – sobre o divórcio. Ela quase chorava sobre a guarda das crianças e sobre a pensão, dizendo que não conseguiria sozinha.
Mas, o que eu era? Uma garota de 17 – ok, 16 – anos com uma calça jeans skinny e uma jaqueta preta?
Ah, e claro, com os sapatos de tango na bolsa. E sem meu iPod. Ugh.
Idealizei passar no estúdio. Era quase impossível. Tirando o fato que eu precisava do meu iPod – por motivos como: a falta de música me matar, os arquivos do meu trabalho para semana que vem estarem nele – eu não podia retornar a ver o dono do estúdio. Eu não me permitiria ficar tão chocada com sua presença como da primeira vez. Bonito demais, misterioso demais, perigoso demais. Só atrapalharia as coisas. Mas a vontade de voltar a dançar quase me torturava. Pela primeira vez depois de tantos meses eu me senti leve, completa. Aquele estúdio me passara uma confiança que jamais adquirira. Se não voltasse logo, talvez a perdesse, o que não estava nos meus planos. Eu ia ter que achar um novo estúdio rápido, mesmo achando impossível. Onde encontraria um salão como aquele novamente?
Decidi que era melhor eu voltar para casa. A cafeteria estava enchendo mais e mais com os vários tipos de pessoa e me deixando claustrofóbica. Não ia ter como fugir de Shakespeare agora. Um pequeno sereno caia do céu, mas eu não me importava.
Quando pude respirar o ar gelado ao contrário do abafado de dentro do lugar, relaxei. O metrô mais perto dali era há 10 minutos, e eu não tinha tanta pressa.
E mais perto ainda estava o estúdio de dança.
Metrô, metrô, metrô. Pare com isso.
Comecei a andar à deriva, na direção do metrô. A noite se apoderava do céu rápido demais, e a falta de postes de luz prejudicava a rua. O sereno parecia aumentar a cada passo, até que virou gotas espessas de água. Em segundos, se transformara em uma grande pancada, deixando tudo que estava à vista embaçado e eu, encharcada. Pessoas tentavam – e definitivamente não conseguiam – não trombar comigo com seus guarda-chuvas. Elas corriam para lugares secos e quentes, ao invés daquela rua. Eu corria sem rumo, cegada pela chuva, com o único desejo de achar um lugar com teto, pelo menos. Starbucks já havia ficado para trás, o metrô continuava longe demais, e uma familiar porta não me deu chances de pensar seriamente sobre o assunto.
Adentrei sem hesitar e encostei-me na lateral da parede perto a escada, arquejando, pegando lufadas de ar para tentar normalizar meu frenético coração. Tudo estava muito escuro ali, mal dava para ver a escada a não ser pela luz da janela na porta. O cheiro de cigarro, menta e conhaque (ou um péssimo vinho) estavam bem fortes, principalmente o de cigarro – eu quase podia sentir a fumaça. Meu cabelo pingava, a maquiagem preta de meus olhos deveria estar um pouco borrada. Minha respiração não parecia querer desacelerar.
“Você é, com certeza, a intrusa mais bonita que eu já vi.”
A voz que eu mais temia escutar vinha de mais perto do que eu imaginava. Meus olhos se focaram, então, na parede à minha frente onde ele estava encostado tranqüilamente, fumando. A parte dos seus olhos incrivelmente verdes e de sua testa eram as únicas iluminadas por completo pela luz da porta, mas eu vi a sombra da fumaça saindo de seus lábios.
“Você voltou.” ele disse, sorrindo e pegando uma tragada.
“Era o lugar seco mais perto.” Como meu coração voltaria ao normal agora?
“Bom para você.” Riu baixinho e soltou uma corrente de fumaça branca. Começou a caminhar até mim e se inclinou – como sempre, perto demais – para mim, colocando uma das mãos na parede esquerda em que eu me apoiava. Abaixou a cabeça até ficar no nível da minha, e eu não tinha certeza de onde estava, muito menos sabia como respirar.
“Hoje vai dançar comigo? Eu não esquecerei isso muito fácil.” Sua respiração quente tocou meu rosto com seu cheiro de cigarro concentrado. Perto demais, perto demais. Eu ainda não tinha respondido e estava extasiada. O que eu poderia fazer agora? Ele voltou a rir, triunfante, me olhando fixamente nos olhos.
Não, não, não, não!
“Eu estou encharcada e preciso chegar em casa logo.” Me desvencilhei de seu olhar e tentei passar por debaixo de seu braço que ainda estava na parede. Imediatamente, ele ficou na mesma posição de antes, só que agora de um jeito que era impossível passar.
“Não tão rápido. Ainda está chovendo lá fora, é melhor esperar um pouco.”
Olhei freneticamente para a janela da porta no vão de seu braço, vendo que a chuva não havia diminuído nem um pouco. Bufei acabada. A chuva iria realmente demorar muito.
“Você não tem escolha.”
“Eu não vou dançar com você.” Eu consegui dizer. “Estou pingando! Mas que diabos de persistência.”
“Você invadiu o meu estúdio. Achou que ia se livrar fácil?”
“Ninguém me dissera que era seu.”
“Procurasse antes de se aproveitar dele. Isso é crime, sabia?”
“Porque apenas não me expulsa? Para que dançar?” Agora eu estava realmente furiosa. Ele era impossível!
“Não expulsaria alguém que dança tão bem” Ele sorriu, inclinando a cabeça para mais perto da minha. “Nesse princípio, é até bom ter uma intrusa como você por aqui.”
“Sério? Meu deus, mudou a minha vida agora!” Ironia pesada, bem pesada.
“Não sei da sua, mas a minha mudou.” O sorriso desapareceu, e de repente ele estava sério novamente. O penetrante olhar verde queimando o meu castanho-claro.
Uma convulsão de risos nervosos explodiu de mim.
“Ok, se queria me ver rir, conseguiu!” Eu não tinha certeza se achara realmente engraçada aquela observação, mas que estava rindo de nervosismo, eu tinha certeza. Estava quase escrito na minha testa.
“Isso não foi uma piada.” Ele estava sério, ainda, e perto demais – quase normal – mas seu olhar vacilava do sério para o risonho. Ele deveria estar considerando deixar essa passar como mais uma piada.
“Ok, hm...” Me soltei de seu olhar, me dando segundos para uma respiração uniforme. Comecei a subir as escadas – mesmo não querendo prolongar esse encontro peculiar; meus passos faziam barulhos engraçados, deixando marcas de poças D’água. Ouvi seu riso baixo atrás de mim, enquanto ele subia atrás.
“A propósito...” Ele disse, e eu implorei mentalmente para não voltar com o assunto sentimental. Eu não deveria ter me importado tanto com o que ele disse. “Estou com seu iPod.” E um sorriso em sua voz.
Claro que ele percebeu meu esquecido.
“Pode me devolver?” A música poderia salvar essa noite. Eu definitivamente não ia suportar pensar sobre isso quando fosse dormir.
“Ele não está aqui.”
Oh deus.
“Eu preciso dele!”
“Só voltou para pegá-lo?”
“Claro! Porque mais voltaria?” Pelo iPod, não é? E um lugar seco.
Silêncio. Um sorrindo se arreganhando até os dentes reluzirem fracos na escuridão.
“Dançar.” Ele disse enfim. “Comigo.”
“Já disse, não tenho tempo para isso. Seria mais fácil apenas me expulsar.”
“Eu acho mais fácil você dançar comigo. O que a impede?”
“Tempo.” Ou me prevenindo de sofrer de um ataque de coração com você chegando perto demais com seu cheiro forte demais de menta e tabaco, ou seu sorriso bonito demais para Nova York, principalmente para esse estúdio de dança. Eu quase disse. Agradeço ao meu cérebro não ter explodido esse pensamento em palavras.
“Eu posso arranjar um pouco para você.” E ele se aproxima novamente. Seus olhos de esmeralda me segurando como se fosse cravada ali.
Eu não ia deixar nada ficar marcado em minha mente para pensamentos futuros. Eu não me atreveria a conjeturar por que meu coração não voltara aos batimentos normais. O jeito era me distanciar de seus passos e fazer uma brincadeira inoportuna, me fazendo de completa idiota, como sempre.
“Você poderia...” E minha frase morreu, minha voz sumindo, minha respiração voltando a ficar alta demais. A aproximação dele. Eu começara a odiar isso de uma forma não muito normal. Tentei de novo. “... poderia me arranjar uma toalha. Eu agradeceria imensamente.”
“Não tem toalhas aqui, sinto muito.”
Ótimo.
“Hm. Eu... preciso ir, mesmo.” Me confirmei pela janela. Os deuses me ajudavam. A chuva estava quase terminada. Soltei um longo suspiro.
Quando me voltei para olhá-lo, ele tinha avançado mais passos do que eu poderia ouvir e estava perto, novamente. Estendeu sua mão para mim no curto espaço entre nós e eu fiquei parada, completamente imóvel, sem respirar. Eu quase ouvia nossas respirações; o som das gotas de água se desprendendo de minha roupa e caindo no piso. Ele afagou meu rosto com a ponta dos dedos. Seu sorriso estava um pouco desmoronado, uma tristeza incrível nos olhos esmeralda, mas logo voltou com todo o seu poder de persuasão e vitória.
“Você voltará.” Ele disse, parando de afagar meu rosto. “Pelo menos pelo seu iPod.” E riu.
Agora foi a minha vez de ter um sorriso derrotado. Meu iPod. Meu querido companheiro de música esquecido pela primeira vez que conheci o misterioso dono do melhor estúdio de dança do meu conhecimento. Ele era quase um culpado – ou o iPod ou esse na minha frente.
Derrotada, acenei com a cabeça e uma tentativa de sorriso nos lábios. Se ficasse mais um pouco ali, ou pegaria um belo resfriado, ou ele daria mais passos para a minha direção – e eu estava apavorada em saber da minha reação, que poderia ser completamente o contrário do que eu me deixara – com seus olhos totalmente dominadores, ou pior: teria que dançar com ele.
Corri pelas escadas, e uma estranha sensação de déjà vu me invadiu. A chuva estava impiedosa novamente, e eu só prestei atenção em meus pés e nas poças de água. Eu sabia no que meus pensamentos me levariam, e eu adoraria poder evitar.
Sempre fugindo, dizia uma ridícula e hipócrita voz. Fugindo, sua covarde! Dançar agora se tornará seu maior medo, por causa dele. Você sabe que ele vai tomar o lugar do outro. Você está curiosa sobre ele. Porque acha que seu coração tropeça tanto quando o vê? E você sabe que está começando a sentir aquilo novamente...
Cale a boca. Dessa vez foi a minha voz. Consciência idiota.
Atrás de mim vieram seus passos. Uma tremedeira correu minha espinha inteira e não era por minha roupa estar úmida e fria. Ele não disse nada, e o cheiro de cigarro recém fumado não chegou tão perto. Ele apenas jogou algo pesado e liso sobre meus ombros e voltou a subir as escadas. Analisei o conteúdo; era uma jaqueta de couro marrom, quente e seca.
Seja o que for agora. Um resfriado, um trabalho atrasado e uma volta ao estúdio de dança eram coisas inevitáveis. Infelizmente.
O pior de todos os outros fatos estavam por baixo de minhas pálpebras cansadas:
O olhar penetrante perfeitamente verde que eu queria não me lembrar.
E meu coração voltando a ficar histérico.
De novo.


Obrigada.