segunda-feira, 29 de junho de 2009

Capítulo Seis & Extra - Uma Surpresa.

Uma surpresa.

Ele desce as escadas e encontra o olhar curioso dela.
Seu cabelo longo e negro ricocheteou o ar ao seu redor, e ela ruboriza.
Sem tempo nem para uma batida do coração, ela sai correndo.
Deixando para trás um sorriso e um fita jogada no chão.

X

“Me conte agora como foi no estúdio.” Dizia o papelzinho que acabara de cair em cima de mesa. Eu não precisava deduzir de quem era, mas, bom, apenas não poderia responder.
Olhei para ela sugestivamente, fazendo um sinal com os dedos e formando a palavra ‘depois’ com meus lábios. Ela não ficou muito feliz, o que era óbvio. Ela queria saber de tudo – um tudo que não tinha acontecido.
A aula de cálculo com Mr. Stuart estava absolutamente entediante; nem essa matéria me prendia. A cara magra de doer e a calvície aparente que o professor tentava esconder não me causavam mais as risadas internas – e muitas vezes externas. Eu estava com muito ódio de mim mesma, era incontrolável, e nada me faria sair desse estado. Mas antes disso, eu enfrentaria minha melhor amiga; ela merecia uma explicação justa pelo meu mau-comportamento. Quero dizer, o fato de não ter cumprido uma promessa...
O sinal tocou e eu não fugi – olha só que novidade! Argghhh. – Esperei do lado de fora Sam me alcançar para avançarmos ao refeitório e eu desabafar. Dessa vez, eu necessitava de sua boa sanidade e de seu carisma mais do que tudo.
Talvez ela tenha percebido em meus olhos que eu estava desconfortável, pois não disse uma palavra, nem mesmo respirou até eu mesma começar a falar, o que aconteceu depois de encontrarmos uma mesa e eu destruir minha maçã.
Eu contei tudo que ocorrera – o pouco que ocorrera. Sam me entendeu em tudo. Ela tinha idéia do quanto isso estava sendo difícil para mim, ela me conhecia mais do que eu mesma. E ela sabia mais do que ninguém que eu precisava retornar a ser a Jane de antes. Um recomeço nunca foi fácil. Ela ajudaria, sem hesitar.
“J, não tem problema, mesmo. Eu só queria te ajudar.” E sorriu.
Depois de três tempos malignos de educação física, onde eu sou a única garota que não sabe sacar uma bola no vôlei, caminhamos, só caminhamos. Aquilo era ótimo – sentir o vento no cabelo, ver as pessoas que não ligam para você, ouvir o barulho da agitada cidade que não dorme. E conversar. Ah, é. É a melhor coisa a se fazer com Sam.
Quando ela percebeu que poderia tocar no assunto sem me chatear, ela fez piada com aquilo. Deus, eu amava a minha amiga.
“Então, ‘intrusa’, vai voltar lá quando?”
“Bom... eu juro que não tenho idéia.”
“E o que você tem idéia?”
“De que você é persistente.”
“É para o seu bem, chéri.
Ela sempre era persistente, mas para o meu bem? Ok, ok, ok.
Quase no mesmo segundo que pensei tal coisa, me lembrei daqueles olhos. É, os olhos dele. Minha curiosidade continuava aguçada por saber o que havia atrás daqueles olhos de cristal verde cravejados. Eles diziam coisas estranhas, sempre ao mesmo tempo, eu não conseguia desvendá-las. A memória das poucas vezes que o vira parecia ficar mais nítida todas as vezes que eu me lembrava.
Quando me livrei de pensamentos e me virei para a rua querendo atravessá-la, eu o vejo. Do outro lado da rua, com as mãos nos bolsos de um casaco de couro igual ao que me emprestara, encarando-me com um leve sorriso nos lábios vermelhos. Fico estática, como sempre que o olho, e um ônibus passa correndo pelo espaço entre nós, levando sua imagem com ele.
Eu estou ficando louca, eu estou ficando louca, eu estou ficando louca.
Despedi-me de Sam enquanto ela pegava a ponte do Brooklyn e voltei a andar, tentando lembrar do metrô mais próximo.
Na ocasião, estava vestindo o casaco dele. Qual é, um frio de lascar em Nova York e todos os meus casacos lavando, mas o casaco continuando intacto, quente e confortável. É claro que eu o usaria!
Aproximava-me da esquina quando os vi. Um grupo de mais ou menos sete garotos em baixo de uma luz fraca no meio de Nova York. Viram-me aproximar e meio segundo depois os sete pares de olhos estavam me analisando, endireitando os pés para minha direção e se aproximando. O medo me deixou cega, surda e muda. Eu sei o que garotos em turmas podem fazer com garotas em uma rua sozinha.
Olhei para os lados; ótimo! Bem nessa hora os caros decidiram não passar ali. Ou eu devia estar em uma parte isolada e nem percebi ou tiveram que fechar alguma rua. Entenda-me, eu sei certamente os perigos que rondam as ruas despovoadas de NY à noite. Se eu tivesse percebido onde estava, com toda certeza tinha retornado.
Quanto mais me apavorava, mais eles se aproximavam, encurtando o pouco espaço de distância. Dei uma olhada nas opções: correr – inútil, gritar – inútil, socar a cara deles – mais inútil, tendo em vista minha mãe triplamente fraca.
Agora, eles estavam cara a cara comigo. Cercaram-me, e eu só via os sorrisos maliciosos por baixo dos gorros negros de inverno. E se aproximaram mais, e mais, e...
“O que temos aqui...!” começou um dos garotos mais altos do grupo. Ele tinha aparência confiante e amedrontadora, com barba por fazer e olhos de um castanho terra. “Essa daí é linda! Nunca tivemos tanta sorte, cavalheiros.” Disse, terminando com risadas de todos.
“Minha vez, certo?” exclamou um deles que estava atrás de mim, que em pouco tempo tomou a minha frente. A expressão era mais assustadora; as marcas fundas embaixo de seus olhos vermelhos alegava usuário de drogas. Ele pôs uma mão em meu queixo e o levou próximo dele, para examinar. Eu tremia do coro cabeludo até a sola dos pés – eu já tinha idéia do que ia me acontecer. “E bem hoje demos sorte, vou me aproveitar!” e gargalhou com um bafo alcoólico.
Mãos frias, mesmo por cima de meus jeans, agarraram minha cintura e tiraram o cabelo de meu pescoço. As mãos subiam por baixo de minha blusa e eu sentia a respiração gelada em minha clavícula enquanto todos gargalhavam ao meu redor.
De repente, as mãos, a respiração e as gargalhadas cessaram.
Tudo foi tão rápido que eu não sabia da onde teria vindo um soco, muito menos da onde veio o dono da mão que o fez.
Depois eu ouvi uma cartilagem de nariz sendo quebrada.
Mas então, eu senti o cheiro forte.
Menta e Tabaco.
Rick atirava socos em todos do grupo que se aproximavam. Seu punho parecia mortal enquanto atingia o estômago de um, a bochecha daquele, ou quando ele usou o joelho para quebrar o nariz de outro.
“Quem vocês pensam que são...” dizia entre os socos, com uma voz que deveria vir com o aviso de não chegue perto. “para mexerem com...” acertou a cabeça de um com o cotovelo. “a minha garota?”
Ok, devo dizer, me chocou. Muito. Eu já estava tremendo, com meus dentes batendo e minha cabeça girando mais que roda de carro de corrida, e ele fala essa? Só me faltava morrer ali, entrar em convulsão, o que não seria nada difícil.
O grupo saiu correndo dali, todos devidamente machucados. Ele não tinha deixado um se quer ileso.
Depois que recuperou o fôlego e observou os idiotas fora de alcance, ele veio até mim, colocou as palmas quentes das mãos nos meus braços e me olhou nos olhos. Eu decifrei as esmeraldas hoje: elas tinham medo, estavam apavoradas, e a raiva despontava nas beiradas.
“O que eles fizeram com você? Eles te machucaram?” disse ele, apertando mais forte meus braços.
“N-n-não, eles... eles não fizeram nada.” Quase nada. Se você não tivesse chego, com certeza eu não estaria bem o suficiente para contar história. Lógico que não falei isso. Eu nem sabia mais porque estava tremendo; se era por choque, frio, ou ele me tocando. “O-obrigada, muito, muito mesmo.”
Ele ficou ali, no vento gelado e cortante, olhando para meus olhos. Toda a agonia de seus olhos foi cedendo aos poucos, as mãos foram afrouxando. Ele exalou – uma fumaça branca de frio saiu – e parou de segurar meus braços.
“O importante é que você está bem.” Disse ele, sério, mas logo sorriu apenas uma pequena curva nos lábios vermelhos. “Mas o que diabos você está fazendo aqui sozinha?”
“Na verdade...” pensei. Porque estava ali mesmo? “Procurando uma estação de metrô. Não sei onde é a mais próxima.” Ele olhou para o lado e riu um pouco.
“Se eu te dissesse que fica a menos de três minutos daqui...” abaixou os olhos de meu rosto e afundou as mãos nos bolsos da jaqueta de couro preta.
Oh deus.
“É sério?” Ele tirou os olhos que agora estavam no chão e voltou-os para mim.
“Sério.”
Rick começou a andar para a direção oposta de onde eu ia e não disse mais nada. Segui-o em silêncio, tentando afastar de minha mente a sensação horrorosa daquelas mãos em mim. Tremi de novo e ele percebeu, olhando para mim de repente. Com certeza notara sua jaqueta vestida em mim. Abriu a boca para dizer algo, mas a fechou depressa, sacudindo a cabeça e olhando para frente. Recordei-me do que ele tinha dito, e suas palavras faziam ecos em minha mente. Minha garota, minha garota... O que aquilo significava?
Quando chegamos à estação deserta, vi as horas: o próximo metrô era dali à...
Rápido como um vulto, o vagão apareceu e parou vazio.
Corri para ele sem olhar para trás, até que ouvi:
“Dança comigo, amanhã, às quatro horas?”
Virei-me e o encarei, com as mãos nos bolsos.
“Vamos lá, eu mereço essa.”
O que eu podia fazer?
“Sim!” gritei, tentando esconder o júbilo com um pouco de ironia, e continuei a correr para entrar no metrô, mas ainda assim ouvi-o gritando com um sorriso em sua voz.
“Às quatro então, finalmente!”

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Capítulo Cinco & Extra - Um Fato.

Um fato.

Uma fita vermelha que, dançando no vento, dizia a todos que ela conseguiu se libertar.
O vento gélido de Nova York congelando as orelhas dele.
E uma Polaroid, voando, com uma imagem exuberante nela.
Olhos. Esmeraldas observando Ônixes.
Congeladas na foto, mas que acompanhavam o borrão vermelho no céu.

X

É claro que eu não ia conseguir. Por isso estava naquela tarde, depois das aulas chatas de Filosofia, no bar mais lotado da 8th Avenue. Veja bem, eu só tenho 16 anos. Não posso ingerir álcool legalmente, mas isso não me impede de entrar em um bar. Eu apenas entrei. O cheiro de cigarro, álcool e o som de conversas calmas eram revigorantes. Por isso me sentei em um dos bancos do balcão e não me incomodei em pedir alguma coisa. Eu não ia tentar bebida alguma. Podia ter 16, mas tinha cara de 18. Então, como eu já esperava, o barman veio ao meu encontro pegar o pedido. Eu só aceitei a água. Precisava pensar, pensar muito. Aquele maldito casaco ainda pendia em meu braço, e eu morria de vontade de ir ao estúdio. Sabe como é, tantos meses sem “mexer o esqueleto” que ficar três semanas sem ir era horrível, mas eu não ia conseguir encará-lo. Eu saí correndo todas as duas vezes que estive lá, pelo amor de deus. Ele devia achar que eu era mais uma menininha bobinha, o que, particularmente, eu não queria admitir. Ele não ia te morder, Jane dizia aquela velha e irritante voz na minha cabeça. Você é realmente estúpida. Ao invés de mostrar para o cara que você pode com a coisa, não, você foge!
Se eu não soubesse que era minha própria consciência – ou melhor, o fundo dela – dizendo aquilo para mim, eu teria feito algo como chutar ou gritar, mas não iria funcionar, imagine só.
Alguns segundos depois, percebi que não podia agüentar mais o ambiente ao meu redor. O copo intocado de água à minha frente transpirava, deixando ao seu redor pequenas poças da água que escorriam. O bar começara a ficar mais barulhento, e a banda ao vivo estava se preparando. Em um disparo, saí do bar, recebendo a corrente forte e gelada que era o vento naquele inverno de Nova York. A fila para o Happy Hour se estendia do lado de fora do bar. As luzes alaranjadas que o sol deixava em sua despedida no horizonte não faziam jus a minha visão – tudo continuava com um aspecto frio, azulado, monocromático. Segui sem rumo, apenas andando, observando, como eu sempre fazia.
Vagamente me lembrei da promessa, mais uma que não iria cumprir. Eu apenas não entendia porque Sam se importava com isso. Ok, minha felicidade, mas será que eu tinha ido longe demais, a ponto de um princípio de recomeço fazer isso com ela? Eu não queria a resposta, eu a sabia. Sim, você estava. Sam só queria me ajudar, eu deveria agradecê-la. Todos deveriam ter uma Sam, pena que só existia uma – e, olha só, eu, que não dou o devido valor, recebo-a.
Eu queria me entender em um ponto: por que continuava a segurar o casaco em meus braços, por que o levava para todos os cantos. Ele não ia aparecer do nada, sorrir como nunca para mim e me levar para tomar café em um fim de tarde frio. Ele não era desse tipo.
Na verdade, eu não fazia idéia de que tipo ele pertencia.
Com certeza não o que levava garotinhas para tomar café e contar sua vida a elas, mas sim o oposto.
Do tipo bad guy misterioso demais, com sorrisos sedutores e olhares hipnóticos.
Um frio na barriga me dilacerou. Era melhor eu manter esse tipo de pensamento longe, muito longe.
Enquanto caminhava, o sol já havia se escondido. Percebi que era melhor eu voltar para casa, ou levaria um xingo lindo da minha mãe (se ela estivesse lá).
Eu não notara, mas no exato momento que a noite cobriu o céu por completo e o vento se tornou mais frio, estava perto do estúdio. Para ser mais clara, estava bem na frente. As mãos no bolso do meu casaco tremiam por motivo nenhum, e eu retive a enorme vontade de girar a velha maçaneta e entrar. Sentir o ar quente do lugar, o cheiro forte de menta, tabaco e conhaque... reencontrar o dono das esmeraldas.
Sacudi a cabeça pesadamente, como querendo afastar os pensamentos. Fechei minhas mãos em punhos cerrados e me obriguei a dar passos longe dali.
Antes de encontrar tal força, escutei um som. Uma linda música instrumental saindo do estúdio, com violinos impecáveis; uma sinfonia mais do que esplêndida. Depois, passos. Passos apressados, que condiziam com a música. E então param tempo suficiente para eu sair dali correndo, mas não, eu ainda estou ali. Os passos, agora não mais no ritmo da orquestra, eram calmos ao descer da escada. Ainda não entendia como podia ficar ali, parada, olhando para a porta enquanto alguém se aproximava. Eu sabia quem era.
Como se – finalmente – meus membros decidissem me obedecer, destravam, dando a possibilidade de me mexer. Meu coração rasgava no meu peito e entalava minha garganta – eu poderia muito bem morrer ali mesmo de ataque cardíaco. Começo a andar e, para verificar uma última vez, olho para a janela na porta.
Um vislumbre do olhar verde penetrante que está a me observar pela janela, e no segundo seguinte, eu estou correndo com todas as forças dali.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Capítulo Quatro.

O elevador do velho apartamento no Brooklyn parecia estar ficando mais lento a cada segundo – e eu não precisava duvidar. Sam vivia aqui desde que tinha nascido, pelo que eu sabia, e o prédio já era velho na época que fora comprado. O elevador enfim parou no andar 15, e enquanto a porta lutava por abrir, o rosto alegre enfeitado com aquela cabeleira ruiva saltitou na minha frente.
“J! Você demorou! Fiquei preocupada.” Vai ser muito comum eu utilizar a exclamação nas citações dela. Ela sempre está explodindo de felicidade. E, ah, eu devo não ter citado, mas ela tem uma forte mania de te apelidar de várias formas. Se você não encontra uma abreviação simples para o seu nome (como no caso o meu), ela arranja trezentos. J é um deles.
“Eu não demorei tanto assim. Estou... bom, 20 minutos atrasada. Nem vem Sam, você sabe como é a ponte e o metrô às 5hrs da tarde.” Disse, tentando passar por ela.
“Então você passou no estúdio? Por isso demorou tanto? Ah me conte tudo! Eu sabia, eu sabia que você ia acabar voltando!” e rodopiou pelo hall, pulando de um lado para o outro. Seu cabelo parecia estar em chamas, ofuscante e brilhante, sacudindo-se no ar.
“Sam, acalme-se. Eu não passei no estúdio.” E mostrei o casaco de couro em meus braços.
Como – justamente – fogo sendo apagado, ela parou, e toda a atividade balançante de seu cabelo acabou junto. Ela meio que parecia chateada, para baixo de repente, e se arrastou até mim para tocar o casaco como querendo provar para si mesma que era real.
“Mas... J, porque não voltou? Você precisa.” Ela parecia muito triste agora. E o grande problema é que Sam é o tipo de pessoa que te contagia em todos os humores. Se você vê-la para baixo, se sente obrigada a reconfortá-la, mas acaba ficando mais deprimida ainda por perceber que não consegue salvá-la. Eu culpo isso ao teatro que ela nunca parou de freqüentar. E aos olhos claros que suplicam. Argh.
Ok Sam, você venceu.
“Está bem! Amanhã eu passo lá.” E toda a melancolia teatral já era. Ela disparou seus braços em meu pescoço e deu-me um abraço de urso.
“Obrigada, obrigada, obrigada!” gritou, dando beijinhos nas minhas bochechas.
Ri – não podendo evitar – e me desvencilhei de seu abraço, jogando-me na grande poltrona existente na sala. Sam era a típica garota com pais felizes, e o estilo de moda que ela seguia vinha deles igualmente. Ela fazia bijuterias, re-decorava bolsas e confeccionava roupas. Não estou brincando. A maioria das coisas que ela vestia eram compradas em brechós – como a maioria das minhas roupas, também – e ela dava um toque de Samantha, um “Sam’s Point”, como ela mesma inventara. Não era de meu espanto, naquela tarde, na hora que mergulhei em seu sofá estofado, ter esmagado uma porção de tecidos e estampas junto.
“Então... vai me explicar porque está aqui?” disse Sam, sentando de pernas cruzadas em uma mesinha à minha frente.
“Eu precisava de um lugar para ficar.”
“Eu jurava que você tinha casa, amiga.”
Com toda a certeza Sam pensou que eu ia acertá-la com um travesseiro nessa hora, tanto que se protegeu com as mãos, mas não foi o que eu fiz. Estava mergulhada demais em pensamentos para isso.
“Qual é o problema?” sussurrou, e esfregou uma de suas mãos macias e rosadas em meu braço, tentando tranqüilizar – como sempre. Um olhar triste permanecia em seu rosto com sardas fracas.
“Nenhum. Eu só precisava de um lugar que não fosse a minha casa, para relaxar.” Mas ela sabia que tinha algum problema. Uma pausa definitivamente longa.
“... Quer falar sobre isso?”
“Talvez.” Só que eu não queria falar nada.
“... Ou não.” Deduziu hesitante.
Sam era realmente ótima nisso, digo, em ser amiga dos outros. Porque enquanto eu era uma pilha de nervos, ela era paciente o bastante para ficar esfregando meu braço, tentando acalmar a nervosa e irracional garota que eu era.
A questão era que eu não sabia realmente o porquê que eu era uma pilha de nervos.
Eu suspeitava de algumas coisas, mas nenhuma realmente parecia ser uma boa razão para eu estar literalmente explodindo por baixo da máscara serena, mergulhada em memórias, que meu rosto demonstrava.
Eu havia, recentemente – mais precisamente, essa manhã – encontrado fotos minhas. E não eram só minhas. Eram dele também. Do Matt. Abraçando-me, beijando meu rosto, ajudando nas sessões de foto para os concursos fotográficos com temas sobre amor. Amor. Depois, eu reencontrei a lente analógica que ele dera no meu último aniversário antes de sair da minha vida. Uma lente para fotos retrato. Uma lente que fiquei procurando por boa porção de tempo apenas para poder quebrá-la com as minhas mãos, mesmo achando um desperdício, já que as lentes ficam mais caras a cada segundo e aquela era uma das boas.
Mas eu pensava “é apenas mais uma lembrança do Matt, então, o que importa, se o resto já está quebrado?”.
Talvez eu não quisesse voltar para casa por isso. Talvez fosse porque, ao entrar em meu quarto, encontraria a grande mala parisiense com todas as nossas lembranças estendida no chão, as fotos Polaroid jogadas em todos os cantos, as fitas, os cartões, as correspondências, meu antigo diário... Dignamente, o passado inteiro. O passado que deixara minha melhor amiga triste por não conseguir me ajudar. O passado que deixou minha mãe achando que eu ia entrar em coma eterno. O passado que me deixou afastada dos sapatos de dança por tempo desnecessário. O passado que eu superara com meus próprios pés (e com um par de olhos verdes).
Sam, que eu não tinha percebido ter saído, voltava agora com duas grandes canecas, que na lateral, saindo da boca cheia de fumaça, pendiam um fiozinho. Chá. Ela adorava chá, e eu só adorava o chá dela.
Peguei a caneca, já me sentando, e comecei a soprá-lo. Dava para sentir, ao tocá-lo, o quão quente estava. O cheiro de hortelã e chocolate subia e fervia meu nariz de forma agradável. Era ótimo.
Dei meu primeiro gole, deliciando-me com a sensação de alívio que saia de meus ombros aos poucos, e fiz uma pequena reverência. Ela riu.
“Tão bom assim?”
“Excelente.” E tomei mais um grande gole.
“Quer falar agora?”
Silêncio. Meus olhos encaravam a fumaça que seguia o teto.
“Eu encontrei.”
Não precisava dizer mais nada, ela sabia do que eu falava. Mesmo assim, um toque corajoso e muito determinado a mudou. Ela encarava a situação com um pouco de raiva. Eu preferia isso. Pelo menos a raiva não te deixa em coma mental.
“Quer que eu a mande para a China?”
“Não. Já está mais do que na hora de eu encarar aquilo.”
Silêncio novamente, até ela interromper, alvoroçada com as palavras, mas não do jeito alegre de sempre; e sim o jeito mais necessitado que eu já ouvira.
“Jannie, você superou. Quero dizer, você finalmente voltou a dançar. Oh deus, você voltou! Não deixe a tristeza te afundar de novo... por mim. Pelos seus pés. Eles devem agradecer por você enfim usá-los novamente.” Uma pausa. Ela encara meu rosto mais duramente, a dor nos olhos de cristal. “Esqueça-o.”
E naquela hora, senti-me uma verdadeira ingrata. Sam se preocupava comigo, e olha o que eu a dava de retorno: mais preocupação. Nunca tinha notado o quanto lhe causei. Ela ajudava-me, e eu só dei a ela mais peso. Agora, iria fazer isso por nós duas.
E foi o que eu fiz. Quando entrava em casa e não me importava com as luzes, disparando para o meu quarto, pegando a mala, fechando ela e enfiando no sótão. As minhas melhores fotos foram daquela época. Não ia poder trancar o passado desse jeito, eu sabia que não, mas algo me impedia de jogá-lo pela janela, simplesmente. Um dia, ah é, um dia eu riria de tudo aquilo. Re-abriria aquela mala com um sorriso no meio do rosto, espirrando contra a poeira que iria se formar, e lembraria de tudo aquilo. Eu não posso afirmar quem estaria ao meu lado, mas ia acontecer.
Depois de terminado, tomei um banho. A ausente mãe que possuía ainda não havia chego, como sempre. Meu pescoço pinicava, sentia a ausência de algo que eu não me recordava. Lembrei-me da promessa que fizera à Sam, que iria voltar ao estúdio amanhã, e eu duvidava drasticamente que eu o faria. Empolei-me na cama depois da maratona de lição de casa de Biologia e desejei dormir muito profundamente, para afastar os pesadelos que viriam.

Extra III - Um Acontecimento.

(eae criançada, buenas?! como não achei o erro no HTML do por quê a caixa de comentários não funcionar, fica aí do lado o Chat. então, comentários, sugestões, críticas e dúvidas sobre os capítulos? coloca ali do lado o/ então, aí está um extra entre o capítulo 3 e 4. próximo post tem cap novo! :) )


Um Acontecimento.

Uma garota, de cabelos negros compridos andava sem rumo pelas ruas de Nova York. O vento fazia suas mechas ricochetearem por todo o seu rosto, mas não parecia ligar. Ela apenas andava absorta, pensativa. A fita vermelha que decorava seu pescoço estava frouxa demais, e em uma rajada um pouco mais forte do vento ele a carregou junto. A fita parecia rir enquanto dançava no ar, fugindo da atividade inútil das mãos de sua verdadeira dona.
Do alto de um prédio na 5th Avenue ele olha pela janela, absorto, pensativo, e sorri para a fita vermelha dançante no vento, lembrando-se vagamente dos lábios de uma desconhecida que posteriormente havia invadido seu aposento.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Capítulo Três.

“Oh meu deus!” e esse foi o 37º “oh meu deus” que Sam tinha exclamado em pouco menos de 5 minutos.
Ah claro, Sam. Ela merece um parágrafo para ela, ou até um pouco mais.
Imagine aquela garota com roupas estampadas largas, meio hippie, com cintos de um couro ralo, sandálias trançadas e pulseiras até o cotovelo. Um cabelo ruivo perfeitamente ondulado até quase a metade das costas que é decorado com uma fina faixa de couro na testa, ou presilhas de flores de tecido e, para completar, um par de olhos claros, que até hoje não consegui afirmar se são azuis ou verdes de tão claros. Ela anda decidida por ai, e todos babam a cada passo dela, ou pela beleza inexplicável de seus olhos, ou de seu sorriso alegre, ou de tanto estilo concebido em uma criatura. Agora, bote a personalidade mais entusiasmada, divertida, brincalhona, carinhosa e mandona do universo. Ela se chama Sam, e é minha melhor amiga.
Exalando simpatia com todos (às vezes, até demais), tem o espírito de criança aflorado algumas horas, como da vez que venceu o concurso de pintura. Ninguém sai correndo gritando por Manhattan inteira quando se ganha um concurso, só ela. Tudo o que pode parecer assustadoramente normal para você é assustadoramente esplêndido demais para ela. Como ela soltar trinta e sete “Oh meu Deus” em menos de 5 minutos.
“Então ele se aproximou? E se aproximou mais? E ele te emprestou uma jaqueta de couro!” disse ela, quase gritando, rodopiando em um poste enquanto esperávamos o sinal trocar e adentrarmos o Central Park.
“Sim, ele se aproximou. Sim, ele sempre se aproximava mais. E me emprestou a jaqueta de couro, é. O que você não entendeu?” Estava começando a ser grossa demais, mas Sam nunca se sentia mal com isso. Porque enquanto a maioria das vezes eu estava completamente indiferente, ela gritava para os quatro ventes de empolgação. Ah, mas não queira me ver nos meus melhores dias, ou melhor, nos meus dias antes-Matt ou durante-Matt. Eu conseguia ser quase uma cópia idêntica de Sam, tirando a maturidade.
“Eu não entendo porque está tão mal-humorada. Não é sempre que um cara maravilhoso chega a menos de cinco centímetros do nosso rosto!”
“Eu só estou com preguiça de demonstrar minha felicidade.” disse irônica, enquanto cruzávamos o Central Park à procura de um banco.
“E eu duvido que você esteja tão mal-humorada assim. Há meses você não ficava tão abalada com um cara como esse. Eu vi senhorita, o brilho nos seus olhos enquanto descrevia os dele.” E apertou seu dedo indicador no meu nariz. “ ‘Olhos verdes como esmeraldas, esmeraldas que sorriam de um jeito malicioso!’ ” Copiou minha fala, tentando imitar minha cara ao descrever.
Eu não me contive e sorri, divertida, e caímos na risada juntas. Há tempos eu não ria com ela desse jeito. Há tempos eu sequer dava um sorriso. E me sentia leve, apesar de tudo. Só não poderia afirmar se era pela volta da dança (que eu amaria poder confiar que era) ou pelo suposto dono de um par de esmeraldas brilhantes.
Ficamos rindo por um tempo, até pararmos. Policiais estavam um pouco distante, enquanto muito mais longe um casal dava altos amassos no gramado. Uns corredores passavam, e duas crianças choravam no colo da mãe. O vento gélido era tão refrescante que eu poderia morar ali.
“Porque você não me contou antes?” exclamou Sam, um pouco mais calma de sua alegria, causada pela surpresa de ver a amiga encalhada-pelo-cara-que-a-deixou conhecendo um outro totalmente diferente. “Você disse que começou a dançar a duas semanas. Como não me contou antes?”
“Não achei que seria necessário... talvez.”
“Tudo para você não é necessário. Sempre te apoiei para voltar a dançar! Pelo menos agora o estímulo é um gostosão de olhos verdes.” E riu baixinho.
Eu a acertei com meu copo vazio de coca, e ela só continuou a rir.
Era impossível não ficar feliz quando Sam estava – mais seriamente, era impossível ficar infeliz na presença dela. Todo esse tempo de depressão boba pelo Matt (que ainda dava pontadas nas extremidades do meu corpo ao lembrar dele) só não fora dissolvida por seu sorriso porque, talvez, eu estive demasiadamente no chamado fundo-do-poço , ou porque ela desistira depois de tanto tempo esperando me ver superá-lo. Como eu disse, tudo estava leve novamente. Rir era tão fácil quanto respirar.
“Quando está pensando em voltar para lá?”
“Para o estúdio? Não faço a mínima idéia.”
“Mas você precisa! Primeiro tem o trabalho no seu iPod, e o casaco dele, e se eu te ver infeliz de novo pela falta de movimento físico, eu juro que te reboco para lá a força.” Disse, dando devida entonação nas últimas palavras.
“Mas quem garante que ele vai estar lá? E ainda por cima, com o meu iPod?”
“Como eu vou saber? Você pode tirar a prova indo lá conferir.”
“O trabalho, eu refiz. Suas músicas estão lindamente guardadas no meu computador caso você as queira, e estou usando meu antigo mp4 pela abstinência musical.”
“Para. Que. Ser. Tão. Difícil?! UGH!” ela parecia furiosa. Cruzou bruscamente os braços no peito e afundou no banco de granito, murmurando palavrões.
“Calma Sam, eu vou voltar lá. E quanto à felicidade, você cuida dessa parte.”
Agora foi a vez dela de tacar o copo na minha cara.