domingo, 17 de maio de 2009

Capítulo Um.

O barulho do trânsito nas ruas; as luzes que iluminavam o cenário perfeito eram as das janelas; os últimos suspiros do sol no horizonte deixavam a sala inteira em um tom envelhecido, meio ocre alaranjado; os espelhos já continham as ruínas da velhice, as bordas de um dourado pintado depois de muitos anos na tentativa de enganar quem quer que fosse dizendo serem novos. Mas, mesmo com todo o aspecto visto com olhos ruins por qualquer outra pessoa, eu adorei. Era confortável, isolado e me passava segurança.
Um estúdio de dança dos anos 60 no meio da 5th Avenue.
Dava para sonhar mais algum outro lugar para se ensaiar?
Graças a todos os deuses eu não tirei nada da minha bolsa na noite anterior. Loui fez um trabalho incrível nos meus sapatos de dança. Não é sempre que se acha um sapateiro bom o bastante para reformar um “Scarpin Modelo: Sapatos de Tango” encontrado em um brechó. Mesmo eu não dançando muito bem tango, óbvio, só preferia esse modelo. O amplificador de áudio do iPod estava na minha bolsa também, e ainda bem que eu o carreguei antes de ontem, colocando a minha mais nova pasta de músicas instrumentais. As músicas começaram um pouco depois de eu me dirigir ao centro do grande piso, os saltos fazendo barulhos sofisticados na madeira lisa.
Eu só precisava deixar a música entrar, apenas senti-la e eu, sem perceber, iria começar a dançar sem esforços. Eu nunca gostei muito de dançar sozinha, mas depois que Matt desapareceu do mapa, eu nunca mais pensei em conhecer novos parceiros de dança. Por motivos simples, um deles o fato que eu não dançava há dois anos por causa do mesmo, e por não confiar em quase ninguém, mas tinha um outro motivo que cutucava minhas veias e fazia meu estômago dar mortais de tristeza.
Ninguém iria superar Matt dançando.
Meu rosto ficou vermelho e senti meus olhos inundarem. Era ridícula a falta que eu sentia dele, e mais ridículo ainda era eu camuflar isso com a raiva da necessidade.
Concentre-se, já se passaram 30 segundos da música e você não se concentrou.
Eu só precisei me concentrar um pouquinho e já estava me mexendo. Passos lenta, acompanhando o compasso da música. Minhas mãos seguiam os violinos, e me deixei levar como há muito tempo eu não deixava. Enquanto girava ao longo do salão, eu fixava meus olhos no espelho, me equilibrando, e reparando cada contorno do meu próprio corpo. Eu tinha que dançar com graça, sutileza. Tinha medo que os sentimentos de decepção que me invadiram anteriormente fossem ficar marcados em meus passos, com grosseria e intolerância.
E isso continuou, as músicas trocando, as luzes escurecendo, deixando a sala quase negra onde a claridade não tocava. Foi então que meus olhos focalizaram um perfil masculino alto, que podia ter no mínimo uns 20 anos, de olhos muito claros iluminados pela pouca luz, cabelos castanho-claro bagunçados, com os braços cruzados no peito, encostado no batente da porta quase sorrindo, com o olhar de apreciação.
Deus, eu estava sendo observada.
Oh meu Deus, e ainda por cima ele é lindo.
Eu estava estática no meio da pista de dança olhando o estranho quando o silêncio me torturou. Quanto tempo havia passado para a pasta lotada de músicas instrumentais acabasse? E quanto tempo ele estava a me observar?
Por favor que eu não fique nervosa, nem desmaie, ou vomite, por favor, por favor!
Respire, é um bom efeito. Agora tome coragem, coloque um sorriso nesse rosto e pergunte algo tolo, como “vem sempre aqui?”.
Mas parece que ele foi mais rápido.
“Olá.” Disse ele com um sorriso que mataria uma Times Square inteira.
“Oi.” Quase balbuciei. “Eu pensava que esse prédio era abandonado, me desculpe.” Podia sentir meu rosto pegando fogo. Mal tinha terminado a frase e já estava indo em direção à minha bolsa, tirando os sapatos e substituindo pelo All Star.
“Se quando poucas pessoas, digamos uma, utiliza um prédio eles colocam como abandonado...” e ele riu baixinho.
“Bom, me desculpe de qualquer jeito.” Joguei o amplificador dentro da bolsa junto com os sapatos. Só a minha bolsa podia ter um zíper emperrado bem numa hora dessas. Eu quase estava na porta, caminhando apressadamente e soltando o rabo-de-cavalo do meu cabelo.
“A propósito...” ele disse talvez perto demais, e me virei instantaneamente para sua figura perfeitamente alta na sombra. “Você dança realmente bem.”
“Hmm, obrigada.”
“Você voltaria para dançar comigo?”
Epa. Agora ele queria matar minha mentalidade com isso.
“Eu não... quero dizer, não sou muito boa para...” gaguejei feio. Isso só ia me fazer lembrar mais do Matt. Mas talvez esse cara fosse bom, além de absurdamente lindo.
Cala boca e não plante a semente da esperança. Trate de pensar em uma resposta coerente.
Ele foi mais rápido novamente.
“Qual o seu nome?”
“... Jane.”
“Rick.” Dava para ser morta por um sorriso como aquele?
“... Bom, eu realmente preciso ir.”
“Nós dançamos outra hora, então.”
Não respondi. Só joguei-me escada abaixo e corri até o metrô mais próximo, o vento fazendo meu cabelo ricochetear a face, me lembrando tardiamente que havia esquecido o iPod no salão.
Eu não teria escolha, a não ser voltar. Quem vive sem iPod?
Talvez eu tivesse que aprender.

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