segunda-feira, 29 de junho de 2009

Capítulo Seis & Extra - Uma Surpresa.

Uma surpresa.

Ele desce as escadas e encontra o olhar curioso dela.
Seu cabelo longo e negro ricocheteou o ar ao seu redor, e ela ruboriza.
Sem tempo nem para uma batida do coração, ela sai correndo.
Deixando para trás um sorriso e um fita jogada no chão.

X

“Me conte agora como foi no estúdio.” Dizia o papelzinho que acabara de cair em cima de mesa. Eu não precisava deduzir de quem era, mas, bom, apenas não poderia responder.
Olhei para ela sugestivamente, fazendo um sinal com os dedos e formando a palavra ‘depois’ com meus lábios. Ela não ficou muito feliz, o que era óbvio. Ela queria saber de tudo – um tudo que não tinha acontecido.
A aula de cálculo com Mr. Stuart estava absolutamente entediante; nem essa matéria me prendia. A cara magra de doer e a calvície aparente que o professor tentava esconder não me causavam mais as risadas internas – e muitas vezes externas. Eu estava com muito ódio de mim mesma, era incontrolável, e nada me faria sair desse estado. Mas antes disso, eu enfrentaria minha melhor amiga; ela merecia uma explicação justa pelo meu mau-comportamento. Quero dizer, o fato de não ter cumprido uma promessa...
O sinal tocou e eu não fugi – olha só que novidade! Argghhh. – Esperei do lado de fora Sam me alcançar para avançarmos ao refeitório e eu desabafar. Dessa vez, eu necessitava de sua boa sanidade e de seu carisma mais do que tudo.
Talvez ela tenha percebido em meus olhos que eu estava desconfortável, pois não disse uma palavra, nem mesmo respirou até eu mesma começar a falar, o que aconteceu depois de encontrarmos uma mesa e eu destruir minha maçã.
Eu contei tudo que ocorrera – o pouco que ocorrera. Sam me entendeu em tudo. Ela tinha idéia do quanto isso estava sendo difícil para mim, ela me conhecia mais do que eu mesma. E ela sabia mais do que ninguém que eu precisava retornar a ser a Jane de antes. Um recomeço nunca foi fácil. Ela ajudaria, sem hesitar.
“J, não tem problema, mesmo. Eu só queria te ajudar.” E sorriu.
Depois de três tempos malignos de educação física, onde eu sou a única garota que não sabe sacar uma bola no vôlei, caminhamos, só caminhamos. Aquilo era ótimo – sentir o vento no cabelo, ver as pessoas que não ligam para você, ouvir o barulho da agitada cidade que não dorme. E conversar. Ah, é. É a melhor coisa a se fazer com Sam.
Quando ela percebeu que poderia tocar no assunto sem me chatear, ela fez piada com aquilo. Deus, eu amava a minha amiga.
“Então, ‘intrusa’, vai voltar lá quando?”
“Bom... eu juro que não tenho idéia.”
“E o que você tem idéia?”
“De que você é persistente.”
“É para o seu bem, chéri.
Ela sempre era persistente, mas para o meu bem? Ok, ok, ok.
Quase no mesmo segundo que pensei tal coisa, me lembrei daqueles olhos. É, os olhos dele. Minha curiosidade continuava aguçada por saber o que havia atrás daqueles olhos de cristal verde cravejados. Eles diziam coisas estranhas, sempre ao mesmo tempo, eu não conseguia desvendá-las. A memória das poucas vezes que o vira parecia ficar mais nítida todas as vezes que eu me lembrava.
Quando me livrei de pensamentos e me virei para a rua querendo atravessá-la, eu o vejo. Do outro lado da rua, com as mãos nos bolsos de um casaco de couro igual ao que me emprestara, encarando-me com um leve sorriso nos lábios vermelhos. Fico estática, como sempre que o olho, e um ônibus passa correndo pelo espaço entre nós, levando sua imagem com ele.
Eu estou ficando louca, eu estou ficando louca, eu estou ficando louca.
Despedi-me de Sam enquanto ela pegava a ponte do Brooklyn e voltei a andar, tentando lembrar do metrô mais próximo.
Na ocasião, estava vestindo o casaco dele. Qual é, um frio de lascar em Nova York e todos os meus casacos lavando, mas o casaco continuando intacto, quente e confortável. É claro que eu o usaria!
Aproximava-me da esquina quando os vi. Um grupo de mais ou menos sete garotos em baixo de uma luz fraca no meio de Nova York. Viram-me aproximar e meio segundo depois os sete pares de olhos estavam me analisando, endireitando os pés para minha direção e se aproximando. O medo me deixou cega, surda e muda. Eu sei o que garotos em turmas podem fazer com garotas em uma rua sozinha.
Olhei para os lados; ótimo! Bem nessa hora os caros decidiram não passar ali. Ou eu devia estar em uma parte isolada e nem percebi ou tiveram que fechar alguma rua. Entenda-me, eu sei certamente os perigos que rondam as ruas despovoadas de NY à noite. Se eu tivesse percebido onde estava, com toda certeza tinha retornado.
Quanto mais me apavorava, mais eles se aproximavam, encurtando o pouco espaço de distância. Dei uma olhada nas opções: correr – inútil, gritar – inútil, socar a cara deles – mais inútil, tendo em vista minha mãe triplamente fraca.
Agora, eles estavam cara a cara comigo. Cercaram-me, e eu só via os sorrisos maliciosos por baixo dos gorros negros de inverno. E se aproximaram mais, e mais, e...
“O que temos aqui...!” começou um dos garotos mais altos do grupo. Ele tinha aparência confiante e amedrontadora, com barba por fazer e olhos de um castanho terra. “Essa daí é linda! Nunca tivemos tanta sorte, cavalheiros.” Disse, terminando com risadas de todos.
“Minha vez, certo?” exclamou um deles que estava atrás de mim, que em pouco tempo tomou a minha frente. A expressão era mais assustadora; as marcas fundas embaixo de seus olhos vermelhos alegava usuário de drogas. Ele pôs uma mão em meu queixo e o levou próximo dele, para examinar. Eu tremia do coro cabeludo até a sola dos pés – eu já tinha idéia do que ia me acontecer. “E bem hoje demos sorte, vou me aproveitar!” e gargalhou com um bafo alcoólico.
Mãos frias, mesmo por cima de meus jeans, agarraram minha cintura e tiraram o cabelo de meu pescoço. As mãos subiam por baixo de minha blusa e eu sentia a respiração gelada em minha clavícula enquanto todos gargalhavam ao meu redor.
De repente, as mãos, a respiração e as gargalhadas cessaram.
Tudo foi tão rápido que eu não sabia da onde teria vindo um soco, muito menos da onde veio o dono da mão que o fez.
Depois eu ouvi uma cartilagem de nariz sendo quebrada.
Mas então, eu senti o cheiro forte.
Menta e Tabaco.
Rick atirava socos em todos do grupo que se aproximavam. Seu punho parecia mortal enquanto atingia o estômago de um, a bochecha daquele, ou quando ele usou o joelho para quebrar o nariz de outro.
“Quem vocês pensam que são...” dizia entre os socos, com uma voz que deveria vir com o aviso de não chegue perto. “para mexerem com...” acertou a cabeça de um com o cotovelo. “a minha garota?”
Ok, devo dizer, me chocou. Muito. Eu já estava tremendo, com meus dentes batendo e minha cabeça girando mais que roda de carro de corrida, e ele fala essa? Só me faltava morrer ali, entrar em convulsão, o que não seria nada difícil.
O grupo saiu correndo dali, todos devidamente machucados. Ele não tinha deixado um se quer ileso.
Depois que recuperou o fôlego e observou os idiotas fora de alcance, ele veio até mim, colocou as palmas quentes das mãos nos meus braços e me olhou nos olhos. Eu decifrei as esmeraldas hoje: elas tinham medo, estavam apavoradas, e a raiva despontava nas beiradas.
“O que eles fizeram com você? Eles te machucaram?” disse ele, apertando mais forte meus braços.
“N-n-não, eles... eles não fizeram nada.” Quase nada. Se você não tivesse chego, com certeza eu não estaria bem o suficiente para contar história. Lógico que não falei isso. Eu nem sabia mais porque estava tremendo; se era por choque, frio, ou ele me tocando. “O-obrigada, muito, muito mesmo.”
Ele ficou ali, no vento gelado e cortante, olhando para meus olhos. Toda a agonia de seus olhos foi cedendo aos poucos, as mãos foram afrouxando. Ele exalou – uma fumaça branca de frio saiu – e parou de segurar meus braços.
“O importante é que você está bem.” Disse ele, sério, mas logo sorriu apenas uma pequena curva nos lábios vermelhos. “Mas o que diabos você está fazendo aqui sozinha?”
“Na verdade...” pensei. Porque estava ali mesmo? “Procurando uma estação de metrô. Não sei onde é a mais próxima.” Ele olhou para o lado e riu um pouco.
“Se eu te dissesse que fica a menos de três minutos daqui...” abaixou os olhos de meu rosto e afundou as mãos nos bolsos da jaqueta de couro preta.
Oh deus.
“É sério?” Ele tirou os olhos que agora estavam no chão e voltou-os para mim.
“Sério.”
Rick começou a andar para a direção oposta de onde eu ia e não disse mais nada. Segui-o em silêncio, tentando afastar de minha mente a sensação horrorosa daquelas mãos em mim. Tremi de novo e ele percebeu, olhando para mim de repente. Com certeza notara sua jaqueta vestida em mim. Abriu a boca para dizer algo, mas a fechou depressa, sacudindo a cabeça e olhando para frente. Recordei-me do que ele tinha dito, e suas palavras faziam ecos em minha mente. Minha garota, minha garota... O que aquilo significava?
Quando chegamos à estação deserta, vi as horas: o próximo metrô era dali à...
Rápido como um vulto, o vagão apareceu e parou vazio.
Corri para ele sem olhar para trás, até que ouvi:
“Dança comigo, amanhã, às quatro horas?”
Virei-me e o encarei, com as mãos nos bolsos.
“Vamos lá, eu mereço essa.”
O que eu podia fazer?
“Sim!” gritei, tentando esconder o júbilo com um pouco de ironia, e continuei a correr para entrar no metrô, mas ainda assim ouvi-o gritando com um sorriso em sua voz.
“Às quatro então, finalmente!”

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