quarta-feira, 24 de junho de 2009

Capítulo Cinco & Extra - Um Fato.

Um fato.

Uma fita vermelha que, dançando no vento, dizia a todos que ela conseguiu se libertar.
O vento gélido de Nova York congelando as orelhas dele.
E uma Polaroid, voando, com uma imagem exuberante nela.
Olhos. Esmeraldas observando Ônixes.
Congeladas na foto, mas que acompanhavam o borrão vermelho no céu.

X

É claro que eu não ia conseguir. Por isso estava naquela tarde, depois das aulas chatas de Filosofia, no bar mais lotado da 8th Avenue. Veja bem, eu só tenho 16 anos. Não posso ingerir álcool legalmente, mas isso não me impede de entrar em um bar. Eu apenas entrei. O cheiro de cigarro, álcool e o som de conversas calmas eram revigorantes. Por isso me sentei em um dos bancos do balcão e não me incomodei em pedir alguma coisa. Eu não ia tentar bebida alguma. Podia ter 16, mas tinha cara de 18. Então, como eu já esperava, o barman veio ao meu encontro pegar o pedido. Eu só aceitei a água. Precisava pensar, pensar muito. Aquele maldito casaco ainda pendia em meu braço, e eu morria de vontade de ir ao estúdio. Sabe como é, tantos meses sem “mexer o esqueleto” que ficar três semanas sem ir era horrível, mas eu não ia conseguir encará-lo. Eu saí correndo todas as duas vezes que estive lá, pelo amor de deus. Ele devia achar que eu era mais uma menininha bobinha, o que, particularmente, eu não queria admitir. Ele não ia te morder, Jane dizia aquela velha e irritante voz na minha cabeça. Você é realmente estúpida. Ao invés de mostrar para o cara que você pode com a coisa, não, você foge!
Se eu não soubesse que era minha própria consciência – ou melhor, o fundo dela – dizendo aquilo para mim, eu teria feito algo como chutar ou gritar, mas não iria funcionar, imagine só.
Alguns segundos depois, percebi que não podia agüentar mais o ambiente ao meu redor. O copo intocado de água à minha frente transpirava, deixando ao seu redor pequenas poças da água que escorriam. O bar começara a ficar mais barulhento, e a banda ao vivo estava se preparando. Em um disparo, saí do bar, recebendo a corrente forte e gelada que era o vento naquele inverno de Nova York. A fila para o Happy Hour se estendia do lado de fora do bar. As luzes alaranjadas que o sol deixava em sua despedida no horizonte não faziam jus a minha visão – tudo continuava com um aspecto frio, azulado, monocromático. Segui sem rumo, apenas andando, observando, como eu sempre fazia.
Vagamente me lembrei da promessa, mais uma que não iria cumprir. Eu apenas não entendia porque Sam se importava com isso. Ok, minha felicidade, mas será que eu tinha ido longe demais, a ponto de um princípio de recomeço fazer isso com ela? Eu não queria a resposta, eu a sabia. Sim, você estava. Sam só queria me ajudar, eu deveria agradecê-la. Todos deveriam ter uma Sam, pena que só existia uma – e, olha só, eu, que não dou o devido valor, recebo-a.
Eu queria me entender em um ponto: por que continuava a segurar o casaco em meus braços, por que o levava para todos os cantos. Ele não ia aparecer do nada, sorrir como nunca para mim e me levar para tomar café em um fim de tarde frio. Ele não era desse tipo.
Na verdade, eu não fazia idéia de que tipo ele pertencia.
Com certeza não o que levava garotinhas para tomar café e contar sua vida a elas, mas sim o oposto.
Do tipo bad guy misterioso demais, com sorrisos sedutores e olhares hipnóticos.
Um frio na barriga me dilacerou. Era melhor eu manter esse tipo de pensamento longe, muito longe.
Enquanto caminhava, o sol já havia se escondido. Percebi que era melhor eu voltar para casa, ou levaria um xingo lindo da minha mãe (se ela estivesse lá).
Eu não notara, mas no exato momento que a noite cobriu o céu por completo e o vento se tornou mais frio, estava perto do estúdio. Para ser mais clara, estava bem na frente. As mãos no bolso do meu casaco tremiam por motivo nenhum, e eu retive a enorme vontade de girar a velha maçaneta e entrar. Sentir o ar quente do lugar, o cheiro forte de menta, tabaco e conhaque... reencontrar o dono das esmeraldas.
Sacudi a cabeça pesadamente, como querendo afastar os pensamentos. Fechei minhas mãos em punhos cerrados e me obriguei a dar passos longe dali.
Antes de encontrar tal força, escutei um som. Uma linda música instrumental saindo do estúdio, com violinos impecáveis; uma sinfonia mais do que esplêndida. Depois, passos. Passos apressados, que condiziam com a música. E então param tempo suficiente para eu sair dali correndo, mas não, eu ainda estou ali. Os passos, agora não mais no ritmo da orquestra, eram calmos ao descer da escada. Ainda não entendia como podia ficar ali, parada, olhando para a porta enquanto alguém se aproximava. Eu sabia quem era.
Como se – finalmente – meus membros decidissem me obedecer, destravam, dando a possibilidade de me mexer. Meu coração rasgava no meu peito e entalava minha garganta – eu poderia muito bem morrer ali mesmo de ataque cardíaco. Começo a andar e, para verificar uma última vez, olho para a janela na porta.
Um vislumbre do olhar verde penetrante que está a me observar pela janela, e no segundo seguinte, eu estou correndo com todas as forças dali.

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